terça-feira, 22 de junho de 2010

Mundial 2010: O céu caiu sobre os franceses

Ter um original e uma cópia não é bem a mesma coisa. À primeira vista pode parecer igual, sem diferenças, tudo bem detalhado. Depois, bem diferente, são as caricaturas. Não querem semelhanças, evitam-nas. Pretendem, antes, destacar os defeitos, as imagens de marca, o que pode ser ironizado. O original da selecção francesa, por exemplo, é fortíssimo: equipa vencedora, campeã mundial por um vez e europeia em duas, habituada a glória, uma potência futebolística. Não engana. No Mundial 2010, contudo, esteve uma França caricaturial. Equipa sem força, sem garra, sem génio, sem rumo. Tudo aquilo que uma selecção como a francesa tem de combater e ser o completo oposto. Houve ainda todo o tipo de casos. O resultado nunca poderia ser bom: a França cai na fase de grupos, saindo pela porta dos fundos, com apenas um ponto.

O Mundial 2010, para a França, começou torto. Os franceses não conseguiram garantir o apuramento directo, ficando atrás da Sérvia - uma estreia em Campeonatos do Mundo - e estando, por isso, obrigados a disputar o playoff. A República da Irlanda, selecção emergente comandada por Giovanni Trapattoni, foi o adversário. Após prolongamento, Gallas marcou. O golo correu Mundo, visto e revisto milhões de vezes. Houve batota: Henry recebera a bola com os braços, antes da assistência. Martin Hansson, o árbitro sueco, apontou para o centro do relvado. Shay Given saltou da baliza, protestou, olhou atónito. Trapattoni, experimentado, enlouqueceu. Num ápice todos se juntaram aos irlandeses: a França não merecia chegar à África do Sul. A verdade é que, com ou sem polémica, foram os franceses a garantir a vaga.

A França, pelo seu prestígio, é sempre uma selecção a considerar para chegar longe. A uma eventual vitória, repetindo o triunfo no Mundial de 1998, onde foi anfitriã, talvez não. Os franceses sentem-se, ainda, orfãos de um líder, de um génio, de alguém que seja verdadeiramente decisivo. Sentem, no fundo, falta de Zidane. Há Henry, Ribéry ou Malouda, sim, mas nenhum deles se assume como o homem que impede, como numa pequena aldeia gaulesa, que o céu lhes caia em cima da cabeça. Também Raymond Domenech sempre fez por ser diferente. Poderia sê-lo de forma positiva; não é, preferiu tentar ser engraçado do que ficar na graça dos adeptos. Nunca foi bem visto. E nunca deixou aquele seu ar fechado, sisudo, enfadonho e sem sorrisos. As opções que toma tornam-no ainda mais incompreensível. A exclusão de Benzema do Mundial é um exemplo.

Jogar com alegria é um dos princípios para se ser bem-sucedido. Passar, correr, fintar, divertir-se enquanto o faz. Jogar para ganhar, com profissionalismo, mas retirando o maior prazer disso. À França, mais do que qualquer coisa, falta vontade. Os jogadores estão no campo, posicionados, parecem preparados para o jogo. Não estão, porém. Fazem figura de corpo presente, quase que cumprem uma obrigação, não têm chama. A motivação que deveria estar inerente a um jogo assim, onde o país é representado na maior prova de selecções a nível mundial, perde-se. A equipa é a imagem do treinador, da tal frieza de Raymond Domenech, não há uma ideia comum ou um objectivo definido. A França quer ganhar mas não faz por isso. É, então, sinónimo de fracasso. A selecção francesa, depois do alerta no apuramento, nunca se endireitou.

Sempre que algo corre mal parece que não há nenhum antídoto capaz de travar a má onda. É a Lei de Murphy, onde tudo o que é mau vem por acréscimo, no seu esplendor máximo. Os franceses não o souberam prevenir. A própria Federação, inicialmente, tem uma grande parte das culpas: não há explicação para que, na antecâmara do início do Mundial 2010, Raymond Domenech tenha sabido que irá, após a aventura na África do Sul, ceder o seu lugar. Todas as situações que ao longo dos tempos se foram acumulando tiveram reflexo na prestação no Mundial. Tendo como adversários a equipa anfitriã, Uruguai e México, os franceses falharam a toda a linha: nulo com os uruguaios, derrota inapelável frente aos mexicanos que deixou o au revoir à porta e, por fim, um novo desaire, já com a selecção envolta num mar de polémica, com a África do Sul.

Um ponto, um golo marcado e quatro sofridos. Os números, para uma selecção com o estatuto da França, são confrangedores. Juntam-se aos maus resultados e mau futebol, apático e inconsequente, todos os problemas internos, numa espécie de Saltillo à francesa, que afectaram os gauleses. A expulsão de Nicolas Anelka, após ter insultado o treinador Raymond Domenech no intervalo da partida com o México, foi o ponto de partida para a demissão do líder da comitiva francesa e ainda para a greve a um treino, em solidariedade com o avançado do Chelsea, que levou a um desentendimento entre Patrice Evra, um dos capitães, e um elemento da equipa técnica. Tudo isso somado só poderia dar insucesso. É causa e consequência de uma selecção à deriva, sem rei nem roque, incapaz de lutar contra a fatalidade do destino. A França corou.

4 comentários:

Filipe Futebol Total disse...

"Equipa sem força, sem garra, sem génio, sem rumo."
Ricardo dizes muito bem isto, resume-se essencialmente á equipa da França neste mundial. Apenas acrescentaria "equipa sem treinador", Domenech foi apenas um peão que chegou a África já riscado do tabuleiro onde o xeque-mate foram os frances que levaram.
Abraço

Ricardo Costa disse...

Filipe,

Completamente de acordo com a analogia. E aí, ao ser retirado todo o crédito ao treinador, sabendo-se que Domenech não continuaria (juntando aquele seu feitio!...), a França começou a perder-se. O fracasso não tem nada de inesperado. Há muito que tinha sido anunciado.

Mattos disse...

Vou ser sincero...olhando para os nomes que compõem esta selecção Francesa nada fazia antever tal desgraça, mas olhando para o "intratável" Domenech era de esperar....

JornalSóDesporto disse...

Nem deviam lá estar por isso bem feita.