segunda-feira, 26 de julho de 2010

97ºTour de France: A análise - 2ª Parte

A PRESENÇA GAULESA NAS ETAPAS

Desde o último triunfo de Bernard Hinault, há já vinte e cinco anos, que o ciclismo francês não consegue triunfar na competição realizada no seu país. O hiato vai-se alargando, sem que surja um ciclista gaulês capaz de se incluir no rol de candidatos a disputar a Grande Boucle até final e, mais do que isso, sem que se abram boas perspectivas para o futuro. John Gadret, ciclista da AG2R La Mondiale, foi, no décimo nono posto, o francês mais bem colocado na classificação geral individual - com um atraso de vinte e quatro minutos e quatro segundos relativamente a Alberto Contador. Devido a essa incapacidade para ganhar o Tour, os ciclistas franceses voltam-se para a vitória em etapas. Nesta edição da Grande Boucle, bem-sucedida nesse aspecto, festejaram por seis vezes: Sylvain Chavanel (em duas ocasiões) Sandy Casar, Christophe Riblon, Thomas Voeckler e Pierrick Fédrigo. Bom registo.

A maior vitória do ciclismo francês esteve, contudo, na montanha. Anthony Charteau, ciclista da BBox Bouygues-Telecom, conquistou o título de melhor trepador da nonagésima edição do Tour de France. Impondo-se numa primeira fase a Jérôme Pineau (Quick-Step) e, mais tarde, a Christophe Moreau (Caisse d'Epargne), também ambos franceses, Charteau confirmou, com surpresa e muito mérito, a obtenção da camisola sarapintada de branco e vermelha. Sylvain Chavanel, corredor da formação belga Quick-Step, subiu ao pódio final, em Paris, para ser distinguido como o ciclista mais combativo do Tour 2010 - venceu duas etapas e, com essas vitórias, vestiu a camisola amarela. As seis vitórias em etapas, o triunfo de Charteau na montanha - algo que não acontecia desde o triunfo de Richard Virenque, em 2004 - e a distinção de Chavanel servem para preencher o vazio sentido pela falta de intromissão na geral.

A CONFIRMAÇÃO DE CAV E A GLÓRIA DE ALESSANDRO PETACCHI

É unânime: Mark Cavendish, ciclista inglês da HTC-Columbia, é um sprinter sem paralelo na actualidade. Já o demonstrara na edição anterior do Tour, somando quatro vitórias em etapas. Apesar disso, em Paris, não conseguiu subir ao pódio, uma vez que Thor Hushovd, mesmo só tendo vencido por uma vez, somou mais pontos para a camisola verde. Em 2010, ainda mais confiante, Cavendish chegou com tudo: forte como nunca, cada vez mais possante em cima da bicicleta, explodindo em direcção à meta e abrindo um enorme fosso para a concorrência. Demorou a arrancar, sim, porque apenas venceu na quinta etapa, mas demonstrou toda a sua qualidade, impondo-se sem dar hipóteses aos rivais. Somou cinco vitórias, uma delas na última etapa, mas voltou a não conseguir ser o líder da camisola dos pontos. Alessandro Petacchi, veterano italiano da Lampre, superou-o, somou pontos importantes e venceu essa classificação.

Aos trinta e seis anos, com um passado invejável para trás, Alessandro Petacchi, mesmo com todo esse arsenal de argumentos, não estaria na linha da frente para conquistar a camisola verde. Um sprinter, como ele é, precisa de uma enorme velocidade, além de que tem de saber sofrer na montanha, para conseguir vencer. Mark Cavendish tem nas subidas o seu calcanhar de Aquiles. Thor Hushovd (Cérvelo), vencedor em 2009, passa melhor no alto. Petacchi, contudo, conta com uma larga experiência. E aproveitou os primeiros dias, atribulados e marcados por um trajecto perigoso e com várias quedas pelo meio, para ganhar força: venceu a primeira etapa em linha, embora a principal concorrência, sobretudo o tal míssil-Cavendish, tenha ficado atrasado devido a uma queda colectiva. Teria sido, pensou-se, apenas uma vitória oportuna. Alessandro Petacchi fez questão de o desmentir. Para isso voltou a ganhar. Com concorrência. E categoria.

Thor Hushovd não se apresentou ao seu nível. Caíra durante a preparação para o Tour, num momento crucial, e isso afectou-lhe o planeamento e, principalmente, a forma física. Seja como for, o objectivo foi, de novo, conseguir colocar-se entre os principais sprinters, em chegadas em pelotão compacto, para vencer a camisola verde. O ciclista norueguês, sempre bem colocado pelos seus companheiros da Cérvelo, apenas conseguiu vencer por uma vez, num sprint reduzido, na jornada do pavé. Sempre que entrou na luta com Cavendish ou Petacchi, vencedores das etapas com chegadas compactas, Hushovd não se conseguiu impor. No entanto, mesmo assim, vestiu a camisola verde durante onze dias. Perdeu-a para Petacchi, recuperou-a, voltou a perder, recuperou de novo por se dar melhor na montanha e, no final, entregou definitivamente a liderança ao italiano. Cavendish, pela vitória no último dia, conseguiu, até, roubar-lhe o segundo lugar.

OS PORTUGUESES

Manuel Cardoso esteve pela primeira vez na sua carreira no Tour. O ingresso na equipa espanhola Footon-Servetto proporcionou-lhe o ponto máximo da carreira. Mas foi uma experiência curta. Nem deu para aquecer: o ciclista português embateu violentamente contra um muro, no prólogo do primeiro dia, que o deixou em mau estado e o obrigou a abandonar. Manuel Cardoso, um jovem com o sonho de participar no Tour de France destroçado, regressou a casa logo após a estreia. Foi o primeiro ciclista, dos cento e noventa e oito que começaram a pedalar em Roterdão, no início do mês de Julho, a abandonar - mais vinte e sete se seguiram, sendo o pelotão final, ainda bem numeroso, composto por cento e setenta corredores. Reduzido a um duo, Sérgio Paulinho e Rui Costa, o ciclismo português viveu um momento alto, épico, quebrando um interregno longo, com a vitória, na décima etapa, conseguida por Paulinho.

À décima etapa, no dia seguinte a uma escalada tremendamente desgastante em alta montanha, uma fuga conseguiu vingar. Sérgio Paulinho e Vasil Kiryienka, rivais na Radioshack e Caisse d'Epargne, disputaram o sprint final, renhido e emotivo, que o ciclista português venceu. Foi, para além de um resultado honroso para o corredor e para o ciclismo português, a única vitória da equipa norte-americana numa etapa do Tour de France 2010. Em Paris, de novo Sérgio Paulinho esteve no pódio, devido à vitória, por equipas, da Radioshack - individualmente, sem que isso tenha grande relevo devido às funções a que está entregue, Paulinho terminou em quadragésimo sexto, a cerca de uma hora e vinte e cinco minutos do primeiro lugar. Rui Costa, discreto e tranquilo, procurou entrar numa fuga, sempre sem sucesso, passando despercebido no seu segundo Tour. Terminou em septuagésimo terceiro, com um atraso de duas horas e doze.

EVANS DESTROÇADO, VAN DEN BROECK EM ASCENSÃO


Cadel Evans partiu para esta temporada com velhas ambições mas uma nova postura. Mais ousado, mais atacante, mais confiante em si. Deixou de ser o ciclista pragmático e expectante de antes. Com essa alteração, agora inserido numa nova equipa, a BMC, embora ainda sem possuir um conjunto realmente forte para o levar ao topo, o ciclista australiano sagrou-se campeão mundial e chegou ao Tour com legítimas ambições a um lugar no topo - mesmo sabendo que teria em Alberto Contador e Andy Schleck dois rivais terríveis. Cadel Evans conseguiu estar bem na primeira etapa nos Alpes, chegando à camisola amarela, na vitória de Schleck, mas quebrou no dia seguinte. Cortou a meta destroçado, impotente e incapaz de resistir às investidas dos concorrentes - acabou o Tour em vigésimo sexto, com cinquenta minutos de atraso. Ivan Basso, líder da Liquigas, denotou o cansaço provocado e também desiludiu. Como Leipheimer e Klöden.

Jurgen Van den Broeck, substituto de Evans na chefia da Omega-Lotto, foi uma das belas surpresas desta edição do Tour. O ciclista belga conseguiu o quinto lugar, mostrando-se forte nas montanhas e poderá ser um nome a ter em conta nos próximos anos. O mesmo se poderá aplicar a Robert Gesink (Rabobank) e a Roman Kreuziger (Liquigas), dois jovens que se exibiram em excelente nível, demonstrando capacidade para, nas próximas edições, se fixarem nos primeiros postos - foram, respectivamente, sexto e nono da classificação geral. Nos dez primeiros, sem que fosse expectável, há ainda os nomes do canadiano Ryder Hesjedal (Garmin), do espanhol Joaquín Rodríguez (Katusha) e do norte-americano Chris Horner (Radioshack: o único no quadro de honra). Samuel Sánchez, líder da Euskautel-Euskadi, conseguiu um belíssimo quarto lugar - perdendo, no final, o último lugar do pódio para Denis Menchov (Rabobank).