domingo, 23 de agosto de 2009

Entrevista a Pedro Azevedo - Parte 3

(CONTINUAÇÃO DA ENTREVISTA COM PEDRO AZEVEDO)

"O FUTEBOL PORTUGUÊS PRECISA DE REFLEXÕES SÉRIAS"


F: Acha que ser jornalista não é uma profissão bem aceite?

PA:
Não, sinceramente não sinto isso. Acho que todas as profissões são dignas, honrosas e acho que as pessoas sérias sentem exactamente aquilo que eu estou a dizer.


F: Como é feito o processo para seleccionar aquilo que realmente interessa aos ouvintes?
PA:
Estamos a falar da elaboração da notícia, no fundo. Como sabe, é algo que tem várias etapas e falamos aqui de duas fases que são decisivas: a primeira é a qualidade da notícia e em segundo lugar a hierarquização da notícia. Aquela que mais interessa e que nós entendemos ser a mais importante é a que vai ter relevo, que vai ser destacada e vai entrar no nosso mostruário - são os títulos das nossas edições, é a nossa primeira página, porque nós não temos uma capa para as pessoas lerem mas um áudio para ouvirem. Depois, as menos importantes vão ser hierarquizadas para entrarem na cauda da nossa edição. Tão simples como isso.


F: Nos vinte anos que tem de carreira, qual foi a situação mais complicada que lhe surgiu?
PA: [pausa longa] Esta minha hesitação, penso que responde a tudo... Um ou outro dirigente que me contactou no sentido de não achar que eu transmiti a notícia à sua maneira, a resposta que lhe dei foi que o fiz à maneira do jornalista, como deve ser feita, com o corpo que deve ter e com a redacção que devia ter. [nova pausa] Estava a ver se me lembrava de alguma coisa em especial, mas, sinceramente, não me estou a recordar.

F: Mas têm dificuldades em conseguir informação? Fontes credíveis, por exemplo.
PA:
Não, não temos grandes dificuldades. O know who que se adquire no jornalismo faz com que, a partir de um determinado momento, a agenda de contactos se torne muito vasta e depois as coisas ficam fáceis. Vou-lhe dar um exemplo do dia de hoje: era preciso um número de um jogador que está no estrangeiro e em alguns segundos eu arranjei esse número através do seu representante. Hoje em dia, a experiência que acumulamos, os conhecimentos que adquirimos e o prestígio do programa, facilita os contactos. Algumas portas estão fechadas, porque há clubes que se fecham em demasia. É uma crítica que eu já fiz atrás e que mantenho, não é assim que se divulga o futebol, nós estamos no caminho errado em Portugal e acho, aproveitando esta questão, que o futebol português precisaria de umas jornadas de reflexão. Sérias. Nunca as fez, precisaria.


F: Acha que devia haver interacção entre adeptos, jogadores e jornalistas?
PA:
Por que não? Eu já tive um treinador (
não vou dizer o nome porque acho que não é importante mas, de facto, acabou por ter um grande sucesso no futebol português) que, há dois anos, me telefonou e disse: Quero ouvir a tua opinião sobre a táctica que eu vou usar. E por que não um jornalista discutir as suas ideias com o treinador, por que não? Seria enriquecedor para o jornalista porque está a conversar com o treinador e no dia do jogo até sabe o porquê dele ter usado aquela táctica - porque há um outro jogador que está melhor, outro que está com um problema pessoal que o está a perturbar psicologicamente e, embora seja bom, tem que ficar no banco - e para o treinador também é bom porque tem a ideia do analista daquilo que acha que seria melhor para a sua equipa. Eu disse: Mas então o treinador está-me a perguntar a mim o que é que eu acho da táctica? E diz ele: E por que não? Não achas que é enriquecedor para as duas partes?, foi a resposta que ele me deu com esta interrogação retórica. E muito bem.

F: Contudo, cada vez mais vemos a distância com os jornalistas, por exemplo quando os repórteres são autenticamente barrados e não têm acesso aos protagonistas.
PA
: Completamente, o que era a coisa mais simples de fazer também. Lá está, as jornadas de reflexão que são necessárias. No final do jogo, no próprio relvado, há um cordão por onde os jogadores passariam, abriam uma espécie de zona mista, e o jogador que quisesse, prestaria declarações, e o que estivesse mal-disposto ou nervoso, não. Há estes flashes das televisões e alguns jogadores vão lá contrariados, não porque não queiram falar mas, às vezes, porque saíram nervosos, discutiram com o árbitro ou com o adversário e ainda não estão com o sangue-frio necessário para dar uma entrevista. Isso é compreensível. Diferente é querer falar e não os deixarem. Por vezes o jogador tem coisas importantes para dizer, até se quer penitenciar - tivemos agora um caso recente em que houve um jogador que veio pedir desculpas no final do jogo -, muitas vezes sentem a necessidade de fazer passar uma mensagem para o público e barram-lhe. Isto não é divulgar, é estragar! É matar o espectáculo.


F: E é mau para todos: tanto para os jogadores que não têm a expansão que queriam, como para os jornalistas que não conseguem a informação.
PA:
Mau para todos, exactamente. Cada vez barram mais. E continuamos a ter o campeonato dos dirigentes e o campeonato dos directores de comunicação que é uma figura que existe em Espanha e ninguém os conhece, em Portugal todos são conhecidos. O director de comunicação deveria facilitar o trabalho da Imprensa mas, em Portugal, complica e torna-se um assessor do jogador mas que defende o interesse do clube. Sempre na perspectiva do clube.


F: O Pedro, enquanto jornalista, como vê esse tipo de impedimentos? Entristece-o?
PA:
Entristece-me porque, em primeiro lugar, está vetado o direito à informação e portanto há aqui uma anti-constitucionalidade que tem que ser analisada, a alta autoridade tem que intervir e o clube penalizado por aquilo que aconteceu. Há, no fundo, uma violação de uma lei mas que eu saiba ainda ninguém foi penalizado. Aliás, em Portugal, pouca gente o é. As coisas passam impunes...


F: Foi exactamente por isso que eu há pouco lhe perguntei se achava que não era uma profissão bem aceite.
PA:
Não, com isso não concordo muito porque acho que o problema não passa por aí. Acho que todas as profissões são bem aceites e as pessoas têm que se respeitar mutuamente, que é um outro princípio da nossa democracia. E dentro desse princípio, na minha perspectiva, não é uma profissão que não seja bem aceite.


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1 comentário:

Anónimo disse...

Parabéns óptimas entrevistas