domingo, 23 de agosto de 2009

Entrevista a Pedro Azevedo - Parte 2

(CONTINUAÇÃO DA ENTREVISTA COM PEDRO AZEVEDO)

"PORTUGAL É PECULIAR EM TUDO"


F: Sente diferenças entre hoje e o dia em que começou?

PA:
Não, o estímulo é exactamente o mesmo porque também no jornalismo é necessário criar estímulos todos os dias. O nosso é dar a notícia em primeira mão, essa é uma imagem de marca da Renascença e da Bola Branca. As pessoas conversam, nos cafés: Ouvi hoje na Bola Branca, portanto é verdade; ainda não sabias? A Bola Branca já deu.


F: A propósito de uma convocatória, um jogador garantiu que tinha ouvido na Bola Branca em primeira mão...
PA: Exactamente. O Octávio Machado teve um problema dentro do FC Porto, quando era treinador principal, e chegou mesmo a reunir com a Direcção, porque ia no autocarro com a equipa e ouviu o onze na Bola Branca e ele próprio ainda não o tinha dito aos jogadores. Portanto, este tipo de situações são estímulos que todos os dias nos fazem trabalhar sempre do mesmo modo mas, respondendo à pergunta, o jornalista tem também, e faz parte do seu perfil, de encontrar estímulos no dia-a-dia. E é isso que nós aqui procuramos fazer de uma forma muito peculiar, que é a nossa de apresentar a Bola Branca, de todos os dias fazermos bons programas para os ouvintes.

F: Também a relação entre a comunicação social e os clubes é cada vez mais distante...
PA: [interrompendo] Em Portugal, em Portugal! É peculiar em tudo. Portugal é o país que se queixa de falta de público nos estádios e, em comparação com os outros países, é o que tem bilhetes mais caros - claro que estou a relacionar o preço com a qualidade de vida e com o rendimento per capita -, Portugal é o país em que os dirigentes são os grandes protagonistas do futebol, em mais nenhum país do mundo isto acontece. E posso-lhe fazer a pergunta: sabe como se chama o presidente da Liga em Espanha? Ninguém sabe! Sabe como se chama o presidente da Liga em Inglaterra? Ninguém sabe! Sabe como se chama o presidente da Liga em Itália? Ninguém sabe! Estamos a falar dos três principais campeonatos do mundo! Toda a gente sabe como se chama o presidente da Liga em Portugal, toda a gente sabe quem são os dirigentes da Liga, os dirigentes dos clubes. Eles são os grandes protagonistas do futebol em Portugal, o que está completamente errado. Depois as pessoas queixam-se de falta de público nos estádios e, sobretudo e isto é muito importante porque no futuro vai reflectir-se, de falta de adesão de jovens ao futebol quer a assitir quer a praticar. Isto é um problema que vai agravar-se com os anos, esta actual geração já olha para outros desportos, já tem outros entretenimentos - não é só no desporto, como no âmbito da informática e até nos próprios passeios no shopping que hoje já substituem a ida ao futebol - e, portanto, não é assim que se promove o futebol.

F: Deveria haver uma maior exposição dos jogadores?
PA: Absolutamente. A promoção do espectáculo tem que ser feita com os protagonistas: quem promove o teatro não pode ser o encenador nem o compositor das músicas da opereta, tem que ser o actor. Quem promove o futebol tem de ser o jogador e o treinador, claro. Enquanto as pessoas não perceberem isto, evidentemente que vamos ter menos público, menos adesão, menos interesse e, implicação formal, menos dinheiro para os clubes gerirem os seus planteis e depois os problemas como este ano aconteceram. E que vão acontecer ainda mais na próxima época, aposto singelo contra dobrado.

F: FC Porto, Benfica e Sporting têm quase todo o tempo de antena. É normal ou outros clubes deveriam merecer maior destaque?
PA:
Eu acho que não. Será que os clubes pequenos também, com um seguidismo inacreditável, não se estarão a fechar à comunicação social? Vou dar este exemplo do Trofense: eu, no ano passado antes de um Trofense-Benfica, tentei falar com o Paulo Lopes, o guarda-redes, porque tinha jogado no Benfica e a resposta desse jogador foi: eu falo com todo o gosto e quero falar porque é uma boa oportunidade para mim mas não estou autorizado pela Direcção e terá de enviar um fax para o director de comunicação que terá de ser analisado pelo departamento de comunicação e depois receberá uma resposta oportunamente. Eu pergunto se isto é promover o futebol, eu pergunto se os próprios clubes não estarão a dar um tiro nos pés.


F: Clubes que tanto se queixam de falta de visibilidade.
PA:
Os clubes pequenos têm também de se abrir mais, depois evidentemente que a maior atenção é dada aos clubes grandes como acontece em todas as outras actividades. Quem é que tem os tempos de antena na política? São os partidos que reúnem, talvez, noventa por cento do eleitorado. Eu pergunto se algum português não será do FC Porto, do Benfica ou do Sporting. Todos terão a sua paixão.


F: Nem que seja como segunda escolha...
PA:
Absolutamente. Há um ou dois clubes em Portugal onde, de facto, as pessoas são primeiro desses clubes e eu dou sempre o exemplo do Vitória de Guimarães - dá-me a impressão que as pessoas em Guimarães primeiro são do Vitória, depois é que são dos outros -, porque é um clube absolutamente notável sob o ponto de vista da paixão, do fervor. Admiro-o muito por isso. Mas nos outros clubes não, inclusivamente o Varzim que é o clube com que eu mais simpatizo, sou sócio e fui dirigente e jogador nas camadas jovens. Até os presidentes dos clubes mais pequenos assumem: Vou jogar com o meu clube que é o Porto, vou a Alvalade jogar contra o meu clube que é o Sporting. Todas as pessoas em Portugal têm um dos três clubes grandes e isto é que é a grande verdade. Claro que é evidente que a atenção, o interesse e a relevância da notícia, porque estamos a falar em jornalismo, tem de ser dado ao que é mais importante para o leitor e para o ouvinte.


F: É uma questão de venda, ainda.
PA:
De venda e de proximidade que também é uma noção básica do jornalismo. O que está mais próximo de nós são os três grandes, um dos clubes do qual somos adeptos, portanto é perfeitamente normal que as atenções lhes sejam dadas. E depois tem que haver também alguma atenção, como é óbvio, para os outros clubes. Mas têm de se abrir, não podem impor estas regras da lei da rolha porque assim não vamos lá.


F: Os jornalistas desportivos são, por vezes, acusados de parcialidade, quer pelos adeptos quer pelos próprios clubes.
PA:
[de pronto] Os jornalistas são sempre acusados de parcialidade. Na política, como sabe, ainda agora houve uma mudança de uma direcção de uma televisão importante de Portugal em que também se julga que falta de imparcialidade (alegada, porque eu também não acredito nisso!...) estará por detrás da decisão que foi tomada e que teve a ver com o afastamento do director-geral de informação, provavelmente, da televisão com mais audiência em Portugal. Os jornalistas em todas as áreas são sempre acusados de serem parciais, isso é perfeitamente normal. E também porque, actualmente, rádio - é disso que falamos - é muito opinião. As pessoas querem mais alguma coisa do que se passava antigamente porque, hoje em dia, há muitas televisões e a rádio tem que acrescentar algo. Evidentemente que, devido à opinião, as pessoas são acusadas. O ouvinte do Benfica está a ouvir alguém e acusa-o de ser anti-Benfica, o ouvinte do Porto acha que é contra o Porto... Isso é perfeitamente normal.


F: É algo que o incomode?
PA:
É um problema que a mim, sinceramente, não me incomoda absolutamente nada. Absolutamente nada! Eu tenho a noção do equilíbrio, do sentido de justiça, da seriedade, da honestidade e tento ser cem por cento imparcial. Se em algum momento não fui, peço imensa desculpa mas podem ter a certeza que foi involuntariamente. Quem não deve não teme e eu como não devo nada a questões relacionadas com falta de imparcialidade, estou completamente à vontade nesse sentido.


F: Sente-se, então, um bom jornalista?
PA:
Sinto-me um jornalista que cumpre as funções. E para além disso orgulho-me de achar que até hoje, não tendo a pauta à minha frente mas sabendo as noções básicas dessa pauta, ter sempre exercido a minha profissão ao abrigo do nosso Código Deontológico - algo que, quando eu comecei no jornalismo, não existia mas agora já há, felizmente.


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