sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

2010 futebolístico de A a Z - Primeira Parte

DE ANDRÉS INIESTA A MOURINHO

A: Andrés Iniesta.

Aprimorado. Com passada elegante, fino recorte e cabeça erguida. Bola nos pés, cérebro em funcionamento apressado, mil e uma ideias, controlo total, tentativa de colocar a bola num determinado lugar, acção e já está. A mente e o corpo interligam-se, Iniesta executa, os companheiros movem-se, a equipa trabalha, carbura, desenvolve, galga terreno. É esse no Barcelona e na selecção espanhola. Em 2010, Iniesta esteve lesionado grande parte da época, sim, mas regressou em grande: foi o centro do Barça triturador em Espanha e o autor do golo que deu, pela primeira vez na História, um título mundial aos espanhóis. Está na pole-position para receber a Bola de Ouro. Com Xavi e Messi na concorrência. São os dinamizadores do tiki-taka.

B: Benfica.
Um gigante. Adormecido. Preso ao passado, superado, caído em desgraça. Vivendo sem títulos, sem alimento, sem a grandeza de outrora. Cansado de falhanços sucessivos, repetindo erros, alimentando promessas e sempre terminando desiludido. Mudou em 2010. Jorge Jesus chegou com audácia, moral, confiança em alta. Prometeu uma equipa a jogar o dobro, elevando a fasquia, rompendo com o passado recente e destruindo as pretensões dos adversários, sobretudo do pentacampeonato do FC Porto. Até Maio, altura em que conquistou o trigésimo segundo título do seu historial, o Benfica foi a melhor equipa portuguesa, roçou a perfeição, apresentou-se como um rolo compressor e destruidor. Foi campeão. Até Maio foi mágico.

C: Campeonato do Mundo.
Em África do Sul. Com problemas, sim, principalmente ao nível de segurança e de estruturação, mas organizado com paixão, genuína e pura, de um povo humilde e radiante por ver as maiores estrelas do futebol mundial junto de si. África do Sul começou por dar sinais de impreparação e terminou com uma certeza: mereceu organizar um evento assim, realizou-se, viveu nas nuvens e, mesmo que tenha sido somente por um mês, foi o centro do Mundo. Trabalhou para superar as dificuldades, entregou-se para tapar as brechas e esforçou-se para ser recompensada. Deu o seu melhor. E foi bem-sucedida. África do Sul assistiu à coroação da Espanha, ao regresso de Diego Armando Maradona aos grandes palcos, à força demolidora da Alemanha.

D: Deixem-me sonhar.
José Torres partiu em 2010. Deixou obra feita. E uma frase marcante, intemporal e profunda, proferida em 1986, antes da partida para o México, no regresso de Portugal aos Mundiais: deixem-me sonhar. Apenas sonhar, acreditar, confiar, tentar. Deixar-se levar, entregar-se ao destino, abrindo horizontes. Domingos Paciência, treinador do sensacional Sp.Braga que conseguiu em 2010 chegar mais alto do que nunca, repetiu a frase a cada dia, a cada treino, a cada conversa, a cada jogo. A sua equipa sonhou, batalhou, porfiou e surpreendeu. Não estabeleceu um objectivo, não se colocou em bicos de pés, apenas acreditou. O Sp.Braga foi vice-campeão, entrou de forma brilhante na Liga dos Campeões e lutou. Teve o seu ano de ouro.

E: Espanha.
Vicente del Bosque, Don Vicente, herdou uma selecção campeã da Europa. Espanha tivera sucesso. Restava dar continuidade ao trabalho desenvolvido. Não mudando no que estava bem, não rompendo com um passado recente vitorioso nem, muito menos, alterando a forma da equipa se apresentar. Ao mesmo tempo, o Barcelona, o carrossel de futebol construído e alimentado por Pep Guardiola, emerge, surpreende, quebra recordes, ultrapassa barreiras, torna-se um monstro cada vez maior e destrói, massacra, asfixia. Tem uma base sólida, tem cultura, tem um leque vasto de espanhóis. A selecção só pode beneficiar. O tiki-taka de Xavi e Iniesta é transportado para La Roja. O título mundial, pela forma como se apresentou, assenta como uma luva.

F: Futebol total.
Abaixo, leitor, na próxima letra destacam-se dois dos principais jogos do ano: o FC Porto-Benfica e o Barcelona-Real Madrid, dois duelos de titãs, dois duelos pelo título, ambos ganhos por cinco-zero, um resultado esmagador e massacrante. Houve, contudo, mais jogos importantes, marcantes, simbólicos no decorrer de 2010. No campeonato português jogaram-se, por exemplo, o Benfica-Rio Ave, que devolveu o título aos encarnados cinco anos depois, e o FC Porto-Sp.Braga, vivo e intenso do princípio ao fim, num teste de fogo ao dragão. Também o jogo da selecção nacional contra a Espanha, vencido por quatro-zero, ou o brilharete do Sp.Braga em Sevilha e, em casa, ante o Arsenal. Sem esquecer, internacionalmente, os duelos do Inter com o Chelsea e o Barcelona, que guiaram os italianos ao título europeu, ante o Bayern.

G: Goleada.
Cinco-zero. Resultado gordo, pesado, inusitado. Ainda mais raro quando se defrontam duas equipas poderosas, ambiciosas, que discutem o topo, colam os olhos no primeiro lugar e não admitem nada mais do que ser campeão, uma, duas, muitas vezes para garantir a hegemonia internamente e serem a principal bandeira para o exterior. Aconteceu em Portugal e Espanha. O FC Porto está para o Barcelona como o Benfica está para o Real Madrid: os dois primeiros cresceram, subiram a pulso, ganharam a região e só depois alastraram o seu domínio, são equipas poderosas actualmente, enquanto os outros dois, de ascendência nobre e gloriosos em tempos idos, perderam fulgor. FC Porto e Barcelona destroçaram os rivais com cinco golpes. Sem misericórdia.

H: Hulk.
Incrível. Forte. Demolidor. Hulk encara o adversário, é veloz, arranca, destói, galga metros, alia uma potência descomunal a uma técnica que o faz saltar para o pedestal do campeonato. Viveu, em 2010, momentos diferentes. Desceu às trevas por ter sido castigado devido às ocorrências no túnel da Luz, depois do Benfica-FC Porto da temporada passada, sendo marcado como jogador violento, mau perdedor, afastado, a par de Sapunaru, da competição. Regressou em Março, depois de uma decisão que anulou os quatro meses de castigo decretados, com um novo espírito: menos individualista, mais sóbrio, mais calmo, melhor do que nunca. Precisamente aí iniciou-se o ciclo dourado do FC Porto. Hulk é o maior destaque deste campeonato.

I: Internazionale Milano.
Tetracampeão italiano, taças e supertaças pelo meio, reinado incontestado em Itália, domínio a toda a prova, demonstração de força sem parelelo internamente. Será, à partida, o desejado por qualquer clube. Ao Inter nunca desapareceu a sensação de saber a pouco. Ganhava fácil em Itália, sim, mas faltava afirmar-se na Europa. Chegar longe, ultrapassar a maldição dos oitavos-de-final, sonhar com a final e repetir o êxito de Helenio Herrera, há já quarenta e cinco anos, assumindo o título de campeão europeu. O Inter jogou à italiana, abusou do pragmatismo, levou os seus princípios ao limite, não teve pejo em defender ou em cortar a inspiração dos adversários. Foi guiado por Mourinho. E teve Sneijder, Milito, Cambiasso ou Zanetti. Uma equipa.

J: Jorge Jesus.
Discurso simples, assertivo, frontal: esta equipa, comigo, vai jogar o dobro. Soou a arrogância, a demagogia, a propaganda. Os benfiquistas aplaudiram mas desconfiaram: gostaram de ouvir o novo treinador arrancar com palavras fortes, prometendo mudanças na postura e no destino dos títulos, embora, por outro lado, tenham sentido que o discurso se repetira porque mais uma vez o Benfica terminara a época - excepção feita à Taça da Liga - sem glória. Jesus cumpriu: transformou o Benfica numa máquina futebolística, colocou as peças nos seus devidos lugares, ressuscitou o inferno benfiquista e relançou os encarnados para o topo. Foi campeão, ganhou a Taça da Liga e chegou longe na Liga Europa. Jorge Jesus pode ter perdido o estado de graça, sim, mas não o estatuto de obreiro do título encarnado.

K:
Kick and rush.
Uma bola, um pontapé, uma corrida e uma sorte. O futebol português, leitor, assemelha-se, muitas vezes, a isto. Verifica-se, sobretudo, nas equipas de menor dimensão, especialmente quando defrontam os grandes, sabendo, à partida, que as probabilidades de sucesso são reduzidas. Desligam-se da qualidade apresentada, dos princípios de jogo, assumem uma postura defensiva, por vezes exacerbada, correndo em busca de um ponto, de algo palpável, dos mínimos. Refreiam a ambição de vencer e fixam-se apenas em sobreviver. São realistas, até em demasia, pois prescindem de lutar. Usam as suas armas. Por vezes resulta. Sente-se, contudo, na forma como os adeptos de distanciam. Ninguém gosta de ver um jogo transformado num monólogo.

L: Liderança.
Os três principais clubes portugueses, os grandes, têm modelos de liderança bem distintos. O FC Porto, demolidor e hegemónico na última vintena e meia de anos, tem em Pinto da Costa uma figura carismática, consensual, intocável. O dragão perdeu o campeonato. O presidente, com total confiança do povo portista, alterou, traçou novos planos, com os objectivos de sempre e arrancou fortíssimo rumo à nova temporada, visando impedir o bicampeonato do Benfica. O clube encarnado viveu, até Maio de 2010, o melhor período do reinado de Luís Filipe Vieira, vendeu duas peças importantes, não as colmatou da melhor forma e tropeçou decisivamente na primeira parte da nova época. No Sporting, José Eduardo Bettencourt está ligado ao pesadelo leonino: sem títulos, sem chama, sem recursos económicos. O passivo dos três é elevadíssimo.

M: Mourinho.
Corrida louca, braços no ar, punho cerrado, ar superior, elegante e forte, com o indicador colado na boca: ganhei, acabou, acabei por cima. O fim de Mourinho à frente do Inter chegou com a conquista da Liga dos Campeões. Pode parecer paradoxal, leitor, mas é bem simples. Voltar, quase meio século depois, a ser campeão europeu era o objectivo nerazzurro. Foi conseguido. Ponto final. O objectivo de Mourinho cumpriu-se, o ciclo fechou-se, com muitas guerras e polémicas pelo meio, conquistando, em dois anos, uma Liga dos Campeões, duas supertaças, uma taça e dois campeonatos. Mourinho chegou a Espanha. Um desafio maior do que nunca, em Madrid, para potencializar todos os recursos do Real, bater o Barcelona e voltar a tocar o céu.

NOTA: A segunda parte será publicada nas próximas horas.

1 comentário:

Miguel Angelo disse...

Muito bom mesmo.
Esta sua iniciativa está realmente original e ´algo que chama a atenção aos leitores.

Aguardo ansiosamente pela segunda parte.

http://imperiofutebolistico.blogspot.com/

Abraços