sábado, 30 de outubro de 2010

Opinião: O dia em que Maradona faz cinquenta anos



El Pibe completa cinquenta anos de vida.

México, 1986, Verão. Sol, calor, tequila e um sombrero. Campeonato do Mundo. Quartos-de-final. Estádio Azteca cheio, a abarrotar, sem espaço para uma melga: cento e quinze mil pessoas preparadas, de bandeirinha em punho, esfregando as mãos, em contagem descrente, final countdown, para o duelo entre Argentina e Inglaterra. Olhos abertos, atenção colada, televisões ligadas, rádios sintonizados. Um planeta parado. Um jovem em emergência, pujante, talentoso, cheio de ganas: Diego Armando Maradona. Liderava a albiceleste. Número dez, braçadeira de capitão, marcas de predestinado. Com Inglaterra pela frente. Equipa cavalheiresca, como Bobby Robson, com Lineker, goleador letal, na frente. Jogo agradável, entretido, disputado e ritmado. Só que sem golos. Desgraça. O futebol é sinónimo de golos. A sua essência, pelo menos, é.

Fim da primeira parte e um nulo. Duas equipas com tanta qualidade, tantas estrelas, tanto talento e sem golos? Anularam-se, as defesas superiorizaram-se, guardaram-se. Os golos surgirão, pensa-se. E espera-se. Maradona, no seu interior, percebeu que o colectivo não resultara. Nem é tarde nem é cedo, há que resolver, pega-se na bola e trata-se disso. O jogo recomeçara há seis minutos. El Pibe levou a bola colada ao pé esquerdo, tipo íman, entregou-a para Valdano e correu para o centro da área inglesa. A bola sofreu um ressalto e subiu. Diego Armando Maradona, do alto do seu metro e sessenta e cinco, elevou-se e atirou para dentro da baliza. Como foi possível ele ter chegado com a cabeça onde Peter Shilton, o guardião britânico, não chegou com as mãos? Só com ajuda. Ajuda divina, disse ele: fue la mano de Diós. Do Diós Maradona, sim.

Os ingleses levantaram-se em protesto. Fora com a mão. Mesmo que bem disfarçado. Ali Bennaceur, árbitro tunisino, apontou para o centro do terreno. Bullshit! Argentina em festejos, o golo contara, fosse como fosse, até poderia ser com o dedo mindinho: um-zero de vantagem, ponto final. Mas foi batota. A palavra, associada a Maradona, fica ainda pior do que já é. Ele achou o mesmo. Não haveria de ficar na História por aquilo. Havia tempo, espaço, inspiração para muito mais. Poderia passar de batoteiro a génio. Precisou de quatro minutos. Voltou a colar a bola ao pé. Fintou. Dois ingleses foram aos bonecos nesse instante. Correu, correu e correu. Uff! Destruiu como uma onda. A mesma que no México se fazia nas bancadas. Foi deixando os adversários pelo caminho. Impotentes, vergados, rendidos. E os argentinos extasiados.

Chegou à área inglesa em poucos segundos. Ainda há instantes estava no seu meio-campo. Viu a glória junto de si. Só Maradona e Terry Fenwick, o mais resistente dos defesas britânicos, antes de Peter Shilton. Nova finta, guarda-redes fora da jogada, golo. O melhor golo alguma vez visto. De la hostia! Que jogada, que momento, que golo, que espectáculo, que obra de arte, que monumento - complete o leitor, se quiser. Uma vénia, urros de vitória, chapéu bem levantado, respiração cortada e imortalidade garantida ali, assim, naquele minuto. Verdadeira ode ao futebol, essência do jogo, pureza da magia, génio à solta, livre e rebelde, para decidir todos os problemas. Maradona fazia-o como ninguém. Fosse com matreirice ou com brilhantismo. Ante a Inglaterra, foi as duas coisas. Mas será sempre um génio. Para muitos um Deus.

O texto original, que serve de base a este, data de Setembro de 2009. Foi revolucionado. Como fazia Maradona com a bola nos pés. A prova está aqui.