sábado, 23 de outubro de 2010

Liga Europa: Vitórias e passaportes (quase) carimbados

BESIKTAS-FC PORTO (1-3): UM INFERNO GELADO COM PALMAS

A psicologia defende que um indivíduo é o resultado da interacção entre a genética e o meio. Nunca está realmente completo e apenas consegue responder às dificuldades que lhe aparecem pela frente se conseguir aplicar as características que herdou com o ambiente em que está inserido. O Besiktas não tem nos genes a função de ser uma grande equipa. Apesar de contar com individualidades como Ricardo Quaresma ou Guti é uma equipa com diversos pontos fracos, sobretudo na defesa, estando longe de fazer tremer o adversário. Só que quando joga em casa, empurrado pelo seu público, galvaniza-se, ganha ímpeto, faz tudo para se transcender e transportar o ambiente infernal para o relvado. Mais do que temer a valia da equipa turca, estava aí o principal receio do FC Porto. O dragão não temeu, arrancou uma exibição de gala, marcou nos momentos-chave e soube ultrapassar todas as barreiras. Terminou justamente ovacionado.

Entrada forte do Besiktas, quinze minutos pressionantes, com perigo e ameaças. O FC Porto sentiu a aceleração turca, mas soube aguentar as investidas, teve em Helton um pilar fundamental, equilibrou o jogo depois, encontrou brechas, colocou Hulk e Falcao em acção e, aos poucos, ganhou a bola e o controlo. O colombiano marcou antes da meia-hora. Elevação, oportunidade e golpe de cabeça como receita de sucesso. O Besiktas, sobretudo levado por Nobre, respondeu bem, voltou ao ritmo inicial e esbarrou, de novo, na mesma muralha: Helton, tranquilidade e confiança em pessoa, esteve à altura, fechou a baliza, lançou o FC Porto para a frente. Falcao, entretanto, voltou a colocar a bola no fundo da baliza, mas o árbitro, sem qualquer razão, anulou a jogada - arbitragem muito fraquinha. Em cima do intervalo, contrariedade: expulsão de Maicon. Voltamos à psicologia. Diz-se que o ser humano torna-se mais forte, mais audaz e mais incisivo quando está numa situação de alguma fragilidade.

O FC Porto tinha o resultado consigo, é certo, mas o Besiktas poderia aproveitar o facto de jogar em casa e de ter metade do jogo para anular a vantagem azul. André Villas Boas, com a necessidade de recompor a defesa, lançou Otamendi e deixou... Falcao de fora. Alguém haveria de sair, sim, mas Rodríguez parecia ser o mais indicado. Ficou Hulk, sozinho e corajoso, na frente. Teve licença para matar. Chegou, Radamel não fez falta. Minuto cinquenta e nove: passe longo de Álvaro Pereira, falha descomunal de
Zapotocny, bola no Incrível e golo. Simples, eficaz e inteligente. O FC Porto ganhou maior vantagem, fez recuar as investidas do Besiktas e ganhou segurança. O dragão uniu esforços, manteve-se alerta, foi sublime na forma como matou o adversário. Hulk, no final, bisou. Os adeptos turcos renderam-se em aplausos. O golo de Bobô, um apêndice na história, surgiu como prémio pela tenacidade do Besiktas.

SPORTING-GENT (5-1): O LEÃO É MESMO BIPOLAR!

Nove pontos, doze golos marcados e portas da fase seguinte escancaradas. Equipa confiante, com soluções, mostrando consistência, fio de jogo e capacidade de finalização. Bom, bom, bom. É a prova de como o Sporting tem duas faces. É inegável, incontornável e impossível de não referir. A equipa que irradia luz na Europa, assumindo e cimentando a cada passo a sua posição no grupo, mostrando a superioridade teórica e afastando deixar-se à mercê de tremuras, é a mesma que ocupa o décimo lugar no campeonato, tem um atraso de dez pontos para a liderança e vê o título, objectivo crónico de um grande, cada vez mais comprometido. Está envolta numa onda negativa, com exibições sofríveis, pecados capitais na hora de rematar à baliza, demasiadas brechas para quem sonha alto e resultados inadequados. Na Europa tudo muda. O Sporting recebeu o Gent: ritmo alto, diferenças vincadas, mão cheia de golos. Outra vez.

Ponto assente: o Gent é uma equipa frágil, sem tradição na Europa, sem vitórias há dez anos em competições europeias. No entanto, o perigo pode surgir de onde menos se espera. Para o Sporting, por exemplo, surgiu nos empates caseiros com o Olhanense e o Nacional. Mas esse é, sem dúvida, outro leão. O que aparece apático, incapaz de lutar contra o destino e sem força para rugir. Na Europa, transfigura-se, queima os obstáculos, evita que o adversário crie calafrios, joga com alma, com intensidade, com vivacidade. Ganha, convence e dá um ar da sua graça. Ante o Gent marcou aos seis, aumentou aos treze, pareceu tremer com um erro atroz de Hildebrand que originou o golo de Wils, chegou o bis de Liedson, Levezinho de volta, Maniche marcou com felicidade e o Sporting, antes do intervalo, construiu, com qualidade e comodidade, uma goleada. Sentiu que as coisas lhe corriam bem. E sorriu. É incrível a forma como muda do dia para a noite.

O Sporting resolvera o jogo. Mesmo assim, como quem busca provar ter qualidade e saber cumprir o seu trabalho, prolongando ao máximo o momento de felicidade, manteve-se activo, não adormeceu sobre a vantagem, quis mais e não permitiu, salvo um ou outro remate com relativo perigo, que o Gent, dentro das suas limitações, se aventurasse no ataque. Marcou ainda mais um, à hora de jogo, por Hélder Postiga, um jogador renascido que se reencontrou com os golos, até na selecção, depois de uma jogada com Diogo Salomão - autor do primeiro golo, num cruzamento de... Postiga. Uma mão cheia de golos, um desejo leonino para o jogo não terminar, motivos de alegria nos adeptos. Poderia ainda ter obtido uma vantagem maior se tivesse, na segunda parte, atingido os níveis de eficácia que lhe valeram quatro golos em trinta e sete minutos. Tudo correu bem. Repete-se a ideia: este Sporting é bipolar. Ou, pelo menos, parece.

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