sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Carlos Queiroz: Crónica de uma morte anunciada

Carlos Queiroz é uma espécie de Santiago Nasar. Está no fio da navalha, tem as portas da Federação escancaradas e viu agora ser-lhe aplicada uma suspensão de um mês. Conseguiu os apoios dos presidentes de dois dos principais clubes portugueses, respirou por momentos, mas vive atolado em problemas, em intrigas que o fazem perder a confiança dos patrões e dos adeptos, sem solução à vista. A sua continuidade à frente da selecção nacional tem os dias contados. Todos o percebem. As condições para continuar o seu trabalho há muito se perderam. Mas, como Santiago Nasar, ninguém o assume, todos se fecham em copas, Queiroz acredita que pode continuar e sente-se fortalecido. Mesmo que todos saibam que morrerá em breve. A Federação, uma Angela Vicario ferida na sua honra, prolonga o tempo e teima em não se decidir.

Há duas formas diferentes, que no fundo se cruzam, de olhar para Carlos Queiroz: o treinador e o homem. Queiroz é pragmático, expectante, meticuloso e trabalhador. Carlos tem o coração perto da boca, corre riscos, aponta o dedo sem temores e coloca-se a jeito de polémicas desnecessárias e evitáveis. Ao longo do seu período na selecção nacional, já lá vão dois anos, Carlos Queiroz, o homem que é treinador, não tem sabido conciliar essas duas vertentes. Nunca conseguiu mobilizar o povo português, não teve o apoio interno que deveria, faltou-lhe dar o clique capaz de unir o grupo de jogadores e transformá-lo num todo com uma orientação bem definida. Aí, nesse campo, exige-se sobretudo trabalho psicológico, quebrando a monotonia e o facilitismo, apelando à garra para jogar nos limites.

A prestação de Portugal no Mundial da África do Sul é razoável. Colocar apenas os extremos bom e mau em confronto é demasiado redutor, até porque Portugal nem foi uma coisa nem outra, sendo mau ficar na fase de grupos e bom tudo aquilo que viesse para além dos oitavos-de-final. Razoável assenta como uma luva: a selecção nacional ultrapassou os objectivos mínimos e caiu, na primeira eliminatória, ante a Espanha. Só ganhou um jogo, marcando por sete vezes frente à frágil Coreia do Norte, tendo somado dois empates na primeira fase e apenas sofrendo um golo, o decisivo, que travou a caminhada nos oitavos e lançou os espanhóis. A prestação, por isso, é razoável. Portugal, com maior audácia e capacidade ofensiva, sendo uma equipa mais intuitiva e menos fixa, poderia ter ido mais além? Provavelmente sim.

Carlos Queiroz, quando chegou para substituir Luiz Felipe Scolari, entrou na caminhada rumo ao Mundial 2010. Portugal apurou-se, mesmo sendo sob o soar do gongo, tendo uma participação na África do Sul que foi, repete-se, razoável. Outro dos objectivos, e é aí que Queiroz é realmente bom, passou pela renovação da selecção. Com vista para o futuro e fruto do desenvolvimento que tiveram nos seus clubes, fixaram-se Eduardo, Fábio Coentrão ou Nani. À primeira vista, esta primeira metade do trabalho de quatro anos entregue a Carlos Queiroz, foi cumprida. Sem brilhantismo, sem rasgo de génio, mas conseguindo o que se pedia. Se a Federação, depois do Mundial 2010, entende que Carlos Queiroz falhou a sua missão, considerando ter sido o trabalho negativo, só tem um caminho: reconhecer que errou no projecto, que pretendia mais do que afirmava, dispensar o treinador e chegar a acordo pela verba a pagar.

Só que a Federação Portuguesa de Futebol entendeu que o trabalho foi positivo: Portugal chegou aos oitavos, tudo bem, não foi brilhante mas também não é por isso que o Mundo vai acabar. Carlos Queiroz foi criticado pelos adeptos, analisaram-se os erros, o que esteve mal. Os patrões demonstraram vontade de o apoiar e o manter o cargo. Afinal, havia cumprido o papel que lhe estava destinado. No entanto, mais do que discutir as tácticas utilizadas ou a postura incutida na selecção pelo treinador, existem as atitudes. Carlos Queiroz é a calma em pessoa, transpira serenidade, encara o futuro com confiança e está sempre convicto de que vai triunfar, nem que seja o único a pensar assim. Isso é, pelo menos, o que transparece. É o que aparenta. Mas não é a realidade: Carlos, o homem, não soube juntar o grupo, teve incidentes pouco recomendáveis, envolveu-se em picardias e colocou-se à mercê de quem o quis ver pelas costas.

Carlos Queiroz não foi devidamente protegido, sim, mas também não fez por isso e perdeu a unanimidade que tivera aquando da sua entrada na selecção. Os insultos dirigidos a Luís Horta, ainda na Covilhã, são apenas uma polémica em que Carlos Queiroz se envolveu. Antes já havia tido um desacato com o jornalista Jorge Baptista. Mas este é o mais grave: vale um mês de suspensão, deixa-o fragilizado, embora tenha conseguido dois inusitados apoios de peso, criticado pelos adeptos e com guerrilhas dentro da própria Federação. Por mais que se pretenda soltar, procurando minimizar os efeitos que todos estes incidentes têm na sua imagem, aparece sempre algo mais, um problema antigo, um mal-entendido, um foco de instabilidade. Agora, depois de ter acusado publicamente Amândio Carvalho, seu superior hierárquico, Carlos Queiroz terá mais um processo disciplinar pela frente.

O mais importante de tudo é perceber o melhor para a selecção. Carlos Queiroz tem condições para regressar da suspensão, assumir o comando, fazendo de conta que nada aconteceu de anormal, colocar a serenidade no rosto, unir as pontas soltas, criar um grupo forte e levar Portugal ao Europeu 2012? Não. Porque não tem os jogadores consigo, os adeptos estão descrentes e os patrões insatisfeitos, não tanto pelo seu trabalho, mas com as controvérsias em que se vê inserido. Queiroz é visto como réu e vítima. E, na verdade, talvez seja um pouco de ambos. A falta de coragem da Federação, tendo numa primeira instância esquecido o incidente na Covilhã, apenas o recuperando após o Mundial, é um ponto a favor do seleccionador. Mas também Carlos Queiroz, de uma forma ou de outra, não se soube abstrair e pecou ao criticar tudo e todos. Até quando se arrastará o caso?

1 comentário:

JornalSóDesporto disse...

Carlos Queiroz ainda não foi despedido devido à sua elevada indeminização. Mas também senão se mudar as apostas dos clubes ou seja formação pois os tempos são de crise e alguns não abundam em dinheiro e não se analisar os jogadores de todos e serem chamados porque merecem tanto faz lá estar este ou outro.