terça-feira, 31 de agosto de 2010

Liga ZON Sagres: Análise da jornada 3

PLENO DE VITÓRIAS DOS GRANDES COM DRAGÃO ISOLADO

Sem companhia, sem ter que partilhar o topo com ninguém, poupando esse incómodo, o FC Porto é, à terceira jornada, líder isolado da Liga ZON Sagres. Os dragões são a única equipa que soma a totalidade dos pontos, arrancou forte, superou os três testes iniciais, se bem que nenhum deles tenha sido verdadeiramente uma prova de fogo, até se instalar confortavelemente na liderança. O Nacional, antes líder a par do FC Porto, perdeu e viu-se ultrapassado, no segundo lugar, pelo Sp.Braga. Na terceira jornada, com duas derrotas para trás, o Benfica mostrou os seus atributos: bateu o Vitória de Setúbal, jogou bem, até pelas circunstâncias, conseguindo afastar eventuais fantasmas em torno da equipa. O Sporting completou o pleno de vitórias dos grandes na Figueira da Foz.


O dragão marca os ritmos, mede as pulsações do rival e sabe o que quer e o que precisa. Tem ousadia, dinâmica e é versátil. O FC Porto tornou-se mais pragmático, marcado por rompantes de classe, mostra-se decidido. Ainda não está em ponto de rebuçado, porque falta aliar a capacidade para ter a bola com um brilhantismo que remeta adversário à sua área. Conta com um Givanildo revoltado que se transforma em Hulk, solta a raiva em talento, parece querer deixar o vício de tentar resolver sozinho e é decisivo. Em Vila do Conde, soltando o dragão das amarras que Carlos Brito lhe colocou, Hulk marcou dois golos, em momentos cruciais e desencorajadores da reacção de um Rio Ave organizado mas curto. Jorge Sousa, ainda: mal auxiliado, não viu falta de Falcao no lance do primeiro golo e, para cúmulo, deixou passar uma grande penalidade clara sobre Tarantini numa jogada que deveria ter sido anulada por fora-de-jogo.

À terceira, sim, foi de vez. Que o Benfica ganhou, que Óscar Cardozo recuperou o gosto pelos golos e que Roberto foi fundamental para o triunfo. O campeão reapareceu, mandou no jogo, fez uma exibição segura, conseguiu fazer três golos e derrotou o Vitória de Setúbal. Marcou por Tacuara, na estreia do goleador-mor da época passada, numa cabeçada certeira após um cruzamento de Nico Gaitán, nos lances em que Cardozo se sente realmente forte, aumentou por Luisão, no golo da tranquilidade, antes de Pablo Aimar fixar o resultado. Isso é o mais importante de tudo. Pelo meio, ainda vivendo às custas do golo de Cardozo, invertendo os papéis, Roberto, desta vez suplente, saltou do banco, forçado pela expulsão de Júlio César, para defender uma grande penalidade. A ironia do futebol no seu esplendor. O Vitória, mesmo com superioridade numérica, foi incapaz de ser mais ousado e colocar em perigo a vitória do Benfica.

O Sp.Braga vive em estado de graça, quer transportá-lo para outra realidade na tentativa de o prolongar, sentindo o gosto das conquistas para se manter igual, sem altos e baixos, na procura de se consolidar, seja na Europa ou em Portugal, como equipa de valor. Depois de Sevilha, da História e de uma noite memorável que não mais se apagará, aconteça o que acontecer daqui em diante, encontrou o Marítimo pelo caminho. Um adversário complicado por tradição, ferido no orgulho, derrotado nas duas primeiras jornadas e no playoff europeu, jogando o seu futuro, sobretudo Mitchell Van der Gaag, em busca de uma vitamina que quebre o pessimismo. Colocou obstáculos, atrapalhou e impediu que o Sp.Braga deslumbrasse. Mas a equipa bracarense foi melhor, mais incisiva, superiorizou-se. E conseguiu ganhar. Marcou por Sílvio, herói improvável mas em emergência, num pontapé sensacional. Tudo o resto é secundário.

Um início em falso, com fantasmas antigos num regresso a um passado apático, quebrado por um triunfo suado frente ao Marítimo e, sobretudo, pela recuperação ante o Brondby. Mais do que ganhar um lugar na Liga Europa, o Sporting conseguiu fortalecer-se, crescer e aumentar a sua capacidade. Jogou, agora, na Figueira da Foz: dominou, impediu que a Naval mostrasse a organização e a consistência que quase surpreenderam o FC Porto ao travar as investidas do adversário, sobrepondo-se e ficando completamente por cima. O golo surgiu antes do intervalo, num belo toque de calcanhar de Liedson, quebrando o seu jejum, embora tenha sido precedido de irregularidade. Os leões, de novo num erro de Elmano Santos, aumentaram por Matías Fernández e, aproveitando a enésima falha da defesa navalista, engordaram num golo oportuno de Yannick. Na recta final, com pouco em jogo, João Pedro limpou a honra da Naval.

Até então cem por cento vitorioso, com o triunfo sobre o Benfica como cartão de visita, partilhando a liderança com o FC Porto, o Nacional perdeu, em casa, frente ao Vitória de Guimarães - graças a um hat-trick de Marcelo Toscano, avançado brasileiro em estreia pelos vimaranenses, transfigurado em diabo na Madeira. O Olhanense, depois de dois empates, conseguiu vencer, justamente, derrotando, em casa, a União de Leiria (1-0) - os leirienses mantêm dois pontos, fruto de dois nulos, ainda sem qualquer golo marcado nas três primeiras jornadas -, colocando-se no grupo de quartos classificados, onde também está o Paços de Ferreira, depois do empate a dois, ante o Portimonense - primeiro ponto para os algarvios. O Beira-Mar venceu a Académica, por 2-1, conseguindo a sua primeira vitória, enquanto os estudantes, depois de um triunfo e um empate, perderam ao terceiro jogo.

O MOMENTO DA JORNADA

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Entrevista Pedro Azevedo: "Benfica parte na pole-position"



O Mundial para trás, a polémica, que parece interminável em torno de Carlos Queiroz, devidamente comentada, sempre com sentido crítico que se mistura com a realidade pura e dura, até chegar à nova edição do campeonato português. O FC Porto arrancou melhor, está mais ousado, pretende reassentar o seu domínio, mas o Benfica é o campeão, ganhou com mérito no ano passado, quer estabilizar e dar seguimento às conquistas. "Parte na pole-position, as duas primeiras jornadas não me alteram a opinião", avança Pedro Azevedo. Na segunda parte da entrevista ao FUTEBOLÊS, já com a selecção para trás, uma antevisão ao novo campeonato. De um Benfica que parte na frente para ser campeão, com um FC Porto em busca de uma nova identidade que traga títulos, um Sp.Braga na forja para ser um novo grande e até um Sporting que deixa muitas dúvidas para o futuro. No campeonato que precisa de um abanão.


FUTEBOLÊS: Mesmo começando com em falso, o Benfica mantém-se na pole-position na corrida ao título?

PEDRO AZEVEDO: O Benfica é favorito, mantenho, apesar destas duas derrotas iniciais: traz o elã de uma época muito boa, sensacional depois de um jejum de cinco anos, um campeonato em que o Benfica foi um campeão convincente, que não tinha sido no ano do Trapattoni [2005] - nessa época foi mais um campeonato perdido pelo FC Porto do que ganho pelo Benfica -, foi o melhor, apesar da boa réplica do Sp.Braga, tendo uma excelente equipa. Neste ano mantém o mesmo treinador, praticamente os mesmos jogadores. O Di María é uma baixa que vai ser colmatada pelo Gaitán, em quem eu deposito muitas esperanças, acho que é muito bom jogador. Ainda vão chegar jogadores para o Benfica. O guarda-redes foi um erro de casting, foi mal contratado...

F: É um caso psicológico?
PA: Não, não. O Roberto nunca foi um indiscutível em clube nenhum, fez apenas seis meses agradáveis na última Liga Espanhola, não acredito que seja bom guarda-redes. Não acredito. É grande em altura mas não é grande guarda-redes. Foi muito caro, custou o mesmo que Petr Cech ao Chelsea, por exemplo, acho muito caro... O Benfica deveria ter ido buscar o Eduardo ao Sp.Braga. Pela confiança que o treinador tem nele, porque o Jorge Jesus foi treinador do Eduardo em Braga, conhece-o melhor do que ninguém e, por metade do preço, deveria ter apostado nessa contratação. Falhou, mas eu estou convencido de que ainda vai contratar um nestes dias que faltam para o encerramento do mercado - e vai ter mais um ou dois jogadores. E vai lutar pelo título, é o grande candidato. Estas duas derrotas não me dizem absolutamente nada, não me alteram a opinião: o Benfica parte na pole-position.

F: Quem se segue?
PA: O FC Porto aparece no segundo lugar desta ordem de favoritos. Muito bem reforçado com o João Moutinho - que ainda não mostrou nada e é o médio que está em pior forma neste momento mas acho que é um excelente reforço -, que é um jogador de mão cheia, que faz todas as épocas sem leões, é um sempre-em-pé, tem muito coração, qualidade técnica... É um jogador à Porto. O central argentino, Otamendi, é um grande jogador, vai ser uma das grandes revelações deste campeonato. Helton também está em excelente forma neste início de época, vai querer regressar à selecção do Brasil, a última temporada dele não foi boa. O meio-campo tem mais soluções, o banco também e há ainda um aspecto muito importante que o FC Porto tem e não possuía no ano passado: versatilidade táctica. A equipa está a utilizar dois/três sistemas tácticos por jogo, não alterando o seu modelo mas alterando o sistema, porque são coisas diferentes, está a conseguir fazê-lo com êxito, coisa que o Jesualdo, em quatro anos, nunca conseguiu: o FC Porto jogou sempre em quatro-três-três, salvo uma ou outra excepção, era uma equipa muito previsível e isso notou-se.

F: Atrás: Sp.Braga ou Sporting?
PA: Eu estava convencido de que o Sp.Braga iria, neste início de temporada, não digo quebrar, mas apresentar uma qualidade de jogo inferior à do ano passado, devido a algumas saídas importantes. Mas não. O Sp.Braga reforçou-se muito bem, com muitas discrição e muita eficiência, com jogadores de muito boa qualidade, está muito bem orientado, porque o Domingos é um treinador que começa a afirmar-se, e inicia a época muitíssimo bem. Afastar Celtic e Sevilha é um mérito muito grande do Sp.Braga, que pode dar um fôlego importante para a temporada. Não acredito na sua presença nos dois primeiros lugares, como favorito neste campeonato, porque vai ser muito difícil ao Sp.Braga manter no campeonato o rendimento do ano passado, devido à presença Liga dos Campeões que irá desgastar, sendo que não tem nem a carteira nem as soluções do Benfica e do FC Porto. Portanto, não acredito que vá ficar nos dois primeiros, mas vai discutir o terceiro lugar. E vai fazê-lo com o Sporting, estando um bocadinho mais adiantado. Nesta grelha de partida, digamos assim, o Sporting está em quarto lugar na corrida ao título que não tem mais nenhum candidato. Os outros vão lutar pela permanência e para se transformarem nos outsiders que o campeonato é tão pródigo.

F: Sporting e Sp.Braga estão em planos opostos: um perde força e o outro cresce a cada dia?
PA: Estão, estão. Esta injecção de sete milhões e duzentos mil euros, que o Sp.Braga vai invariavelmente buscar com os jogos e os pontos da Liga dos Campeões, tornará o clube mais forte, dará maior dimensão ao Sp.Braga, mesmo em força social - porque estão a entrar muitos sócios nos últimos dias, devido a este fenómeno fantástico e inédito de estar numa edição da Champions. Vai aproximar-se dos três grandes. O Sporting tem vindo a perder tudo: adeptos, até lugares anuais, como rezam os dados da última época, e espaço entre os candidatos ao título. A última época foi um desastre e este ano, apesar deste resultado na Dinamarca, eu continuo a colocar muitas reticências. Primeiro, porque Liedson é um jogador em declínio, se continuar a jogar assim irá fazer poucos golos e acho, até, que não é, neste momento, o melhor ponta-de-lança do Sporting. Noto, depois, que tem menos Academia, ou seja, menos identidade e mais idade. Tem uma equipa de jogadores mais idosos... [pausa]

F: Idosos, como quem diz...
PA
: [risos] Idosos, neste caso, com mais idade!... Não se confunda com jogadores perto da reforma [risos]. Tenho muitas dúvidas sobre este Sporting. Muitas dúvidas, muitas dúvidas.


F: Até onde pode ir o Sporting nesta época?
PA: Vai lutar pelo terceiro ou quarto lugar, não acredito que passe dessa fasquia. Aliás, o Sporting tem ainda problemas de plantel, está a tentar contratar mais dois ou três jogadores até quarta-feira [dia de encerramento do mercado], o que eu não acredito, porque há problemas financeiros que são claros. O Sporting não tem liquidez, não tem gerado receitas e, portanto, vai ter muitos problemas para satisfazer as pretensões do treinador - que passam por um guarda-redes, fundamentalmente por um ponta-de-lança e ainda mais um jogador, ele terá pedido três, mas provavelmente não vai ser possível satisfazer os pedidos do Paulo Sérgio...

UM FUTEBOL MAIS VIVIDO, MAIS INTENSO, MAIS VIBRANTE


F: O que falta ao Sp.Braga para ser considerado um grande?
PA: Falta dar continuidade a estes resultados, confirmando-os num futuro próximo. Se o Sp.Braga continuar a ser uma equipa de Liga dos Campeões ou de Liga Europa e se conseguir continuar a lutar, dando réplica aos três grandes, pela conquista do título... É importante recordar que o Sp.Braga esteve praticamente até ao último apito da Primeira Liga do ano passado a lutar pelo campeonato nacional, embora na última jornada as possibilidades já fossem muito remotas. O Sp.Braga também tem sido um clube vendedor - mostra olho para o negócio: compra barato e vende bem -, juntando às receitas que irá ter na Liga dos Campeões, além de mostrar que é um clube com uma boa organização, tem prospecção muito competente, tem um bom departamento de comunicação entregue ao Ricardo Lemos, um ex-colega meu, que é também um profissional competente. Sinceramente, desconheço as aptidões do Fernando Couto para este novo cargo, mas teve até agora o Carlos Freitas e muitos destes jogadores que o Sp.Braga contratou este ano ainda vieram por seu intermédio - este defesa-esquerdo, Elderson, acho que é um excelente jogador e chegou a custo zero. Portanto, acredito que o Sp.Braga, com esta estrutura, com esta organização e se confirmar os resultados, vai ser, finalmente, o quatro grande. E penso que vai ser bom para o futebol português.

F: Mesmo tendo sido uma aposta de altíssimo risco, a chegada de André Villas Boas foi um tónico para despertar o FC Porto?
PA: O Jesualdo Ferreira foi embora do FC Porto, porque já não tinha ambiente, já não tinha cumplicidade dos sócios, já não tinha entourage dentro do Dragão. O FC Porto tem uma noção muito boa do que é o futebol-negócio e é preciso vender lugares anuais, despertar o clube, despertar os sócios e, portanto, era importante mudar depois de quatro anos, de um ciclo enorme que nunca tinha acontecido no FC Porto com um treinador. E, por isso, mudou. Também, claro, porque os resultados não foram os pretendidos, ficar em terceiro no campeonato só aconteceu três vezes na era Pinto da Costa, que leva vinte e oito anos de presidente. Quando se muda, depois desta conclusão a propósito do treinador que sai, não há muito a perder, só há a ganhar e o FC Porto aposta nisso: no que há a ganhar.

F: Mas ficar dois anos sem conquistar o campeonato não será "perigoso"?
PA: É perigoso, sem dúvida, mas um bom início de época também era um catalisador importante para o clube, para os jogadores, para a equipa técnica e para os adeptos, e o FC Porto está a ter um excelente arranque. Reforçou-se bem, já o disse. O Walter é um jogador muito interessante, o Souza é um jogador de futuro, o João Moutinho é um grande jogador, vai ser o ano da afirmação de Rúben Micael, vai ser o ano da afirmação de Belluschi, que está mais do que visto que não era um jogador...

F: ...adaptado?
PA: Não era adaptado, era um jogador que não gostava do treinador e o treinador não gostava dele. Acabou também algum jogo de confiança excessiva do Bruno Alves, que até livres marcava no FC Porto, uma coisa incrível quando se tem Hulk e Belluschi... E, como não havia nada a perder, há que contratar um treinador com o qual o FC Porto só teria a ganhar. O André Villas Boas é portista, tem um percurso dentro do clube que o Pinto da Costa conhecia, o trabalho que lhe foi devido dentro do FC Porto foi reconhecido e apreciado, além de que tem a escola do Bobby Robson, com quem começou, e a escola do Mourinho, com quem continuou, sempre na observação de jogos, sempre muito criterioso, interessado e a revelar uma boa tendência para a táctica, para a escolha de jogadores. Como o FC Porto na altura [em 2002 apostou no José Mourinho, que era um treinador em que poucos acreditariam e deu no que deu, esta aposta tem muito a ver com isso. Pessoalmente, estou convencido de que vai ser um bom treinador.



F: As duas primeiras jornadas podem ser um bom prenúncio para o campeonato mais competitivo capaz de afastar posturas excessivamente defensivas?
PA: Não, acho que este campeonato vai ser igual aos outros. Estas duas primeiras jornadas não têm sido muito diferentes: poucos golos, uma fase ainda de alguns receios, as equipas ainda estão a assentar a poeira, houve mudanças de jogadores, por isso estou convencido de que não vão existir mudanças. Três mais um na luta pelo título, os tais três clássicos e o Sp.Braga, mas no resto acho que vai ser igual.

F: Falta um abanão ao futebol português?
PA: Acho que o futebol português tem que rever a política dos preços. Por um lado, toda a gente deseja mais público nos estádios mas, por outro, ninguém baixa o preço aos bilhetes... Isto é um incoerência. E, depois, promover o espectáculo: acabar com os blackouts, sejam camuflados ou não, dar mais liberdade aos jogadores para promoverem o espectáculo, tal como a todos os agentes do futebol, até aos árbitros, para falar pela positiva do espectáculo. Talvez esse seja o abanão que o futebol português precisa, olhar um bocadinho para a Espanha - onde toda a gente promove o espectáculo, até há polémica mas com participação dos intervenientes, em que exprimem as suas ideias, vive-se muito o jogo durante a semana, em Portugal dá a sensação que o jogo é só vivido naqueles noventa minutos em que os jogadores andam ali à procura das balizas. O futebol tem que ser vivido sete dias por semana, com entusiasmo, com raça, com paixão, para os estádios encherem, com preços dos bilhetes mais baratos, porque, de resto, o futebol português não pode muito melhorar muito mais, porque não tem condições económicas para isso.

F: A participação da selecção foi um reflexo, em termos de postura, do campeonato português?
PA: Não. A selecção portuguesa quantos jogadores tinha que jogassem cá em Portugal? Poucos. Não tem a ver uma coisa com a outra. O que falhou na selecção foi o que já disse anteriormente. O seleccionador tinha dos melhores jogadores do Mundo mas não conseguiu ter um grande equipa. Isto é apenas o dedo do treinador, não pode ser mais nada. Não pode!

NOTA: A entrevista foi realizada no dia 27 de Agosto de 2010. Esta é a segunda e última parte.

domingo, 29 de agosto de 2010

Liga ZON Sagres: Um momento de cortar a respiração


BENFICA-V.SETÚBAL (3-0): ROBERTO, ANTES VILÃO E AGORA HERÓI, DEFENDE GRANDE PENALIDADE

Roberto foi tema de conversa durante toda a semana. Os erros contra o Nacional deixaram Jorge Jesus no limiar: manter a aposta no espanhol ou preferir colocá-lo de fora? Arriscar ou resguardar? A bem do jogador e, sobretudo, da equipa seria mais acertado fazer avançar um substituto, Júlio César ou Moreira, retirando Roberto da ribalta e da enorme pressão que lhe assenta nos ombros. Jorge Jesus entregou a baliza a Júlio César. Roberto ficou no banco. A hierarquia da baliza mudou. Os adeptos apoiaram, aplaudiram, juntaram-se ao guardião brasileiro. Só que o futebol é um mundo há parte, uma caixinha de surpresas. Júlio César, depois de um mau atraso de Maxi Pereira e de uma atrapalhação com os pés, derrubou Zeca. Penalty, expulsão e... Roberto Jiménez na baliza: o guarda-redes vilão, sob brasas, numa oportunidade única de voltar a inverter tudo. Hugo Leal rematou com pouca força, Roberto adivinhou o lado e parou o remate. O portero, saído do banco, foi fundamental na vitória. Coisas de futebol.

NOTA: O Momento da Jornada é uma nova rubrica no FUTEBOLÊS, publicada antes da análise completa de cada ronda da Liga ZON Sagres. A imagem presente tem créditos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

Entrevista Pedro Azevedo: "Faltou liderança a Queiroz"



África do Sul recebeu o Mundial 2010. Foi uma escolha polémica, motivando desconfianças, apreensão maior do que nunca, chegaram sinais de impreparação. À medida que os dias passaram, com a paixão genuína dos africanos dominando, África do Sul fez por merecer ter as principais estrelas junto de si, deu tudo o que podia, mostrou-se à altura. Para os jornalistas, também. Pedro Azevedo, um dos enviados-especiais da Rádio Renascença, assegura: surpreendeu, foi o melhor Mundial em que esteve, mostrou capacidade para quebrar as dúvidas e receber um evento desta grandeza. Em entrevista ao FUTEBOLÊS, Pedro Azevedo faz um apanhado da presença na África do Sul, em termos globais, mas sobretudo uma análise à participação portuguesa. Portugal cumpriu apenas os serviços mínimos, não mostrou todo o seu potencial e Carlos Queiroz ficou no epicentro da polémica.

FUTEBOLÊS: África do Sul esteve à altura do Mundial 2010?

PEDRO AZEVEDO: Em alguns aspectos esteve. Aliás, África do Sul surpreendeu-me pela positiva em algumas coisas. Noutras já contava. Surpreendeu-me sob o ponto de vista organizativo, a logística esteve muito bem montada - é verdade que eles contrataram empresas estrangeiras para colaborar, como teria de ser. Existiu um aspecto importante, também, que não diz muito respeito à rádio, mas ajuda, porque houve muita gente que assistiu aos jogos ouvindo a rádio: as transmissões televisivas foram de grande qualidade e beneficiaram quem assistiu aos jogos do Campeonato do Mundo - foi uma empresa francesa a responsável por essa operação. Para os jornalistas, dentro dos estádios, as acessibilidades, os nossos postos de trabalho, as facilidades concedidas, designadamente em termos da cedência dos espaços, internet... Tivemos condições de trabalho muito boas. Fiquei surpreendido pela positiva.

F: Embora tenha havido um lado mau...
PA: Já não gostei de outros aspectos que dizem, naturalmente, respeito à segurança. Sentiu-se alguma insegurança. Aí as selecções tiveram algumas responsabilidades, designadamente a portuguesa, porque o estágio foi realizado praticamente no mato, em cidades distantes dos principais centros da África do Sul, o que deu alguma insegurança às comitivas, como foi o caso da nossa. Os jornalistas sentiram isso na pele. O assalto a jornalistas portugueses aconteceu muito perto do meu hotel - um lodge exactamente igual ao que se deu esse assalto - e era perfeitamente evitável que tivesse acontecido, se as selecções tivessem escolhido, designadamente o professor Carlos Queiroz, um local mais apropriado para a realização do estágio.

F: Coreia, Alemanha ou África do Sul: qual foi o melhor Mundial em que esteve?
PA: Este foi o melhor de todos. Em condições de trabalho superou o da Alemanha: as nossas posições nos estádios para a realização dos relatos eram melhores do que no Mundial 2006, as facilidades dos contactos com Lisboa, muito mais rápidos, e a tecnologia também evoluiu quatro anos - isso é importante que se diga. Sob o ponto de vista das condições de trabalho para os jornalistas, foi o melhor Campeonato do Mundo em que eu estive. Muito melhor do que o de 2006, muito, muito, muito melhor do que o de 2002.

F: Até onde pode ir o patriotismo de um jornalista? Cair no chauvinismo é uma tentação?
PA:
Não, não, não. O jornalista tem a sua nacionalidade e está lá para dar, essencialmente, notícias da selecção do país onde os ouvintes estão a escutá-lo. A incidência da informação é Portugal, mas tem que ser uma informação rigorosa, séria, claro que sem chauvinismos, sem exageros, sem qualquer tipo de tendência exacerbada pela selecção. E mesmo durante os relatos, que eu sempre disse, e mantenho, que o relato é uma mistura de informação e espectáculo, também é importante que se dê um certo entusiasmo às cores nacionais, tornar aquele vermelho e aquele verde duas tonalidades mais interessantes e coloridas, que as pessoas ouçam com agrado, porque, no fundo, nós, jornalistas portugueses, também queremos que Portugal ganhe. Agora, o querer é uma coisa e não se pode confundir e misturar com isenção e com o rigor da informação.


UMA SELECÇÃO CINZENTA E SEM LIDERANÇA



F: Aproveitando a questão da tonalidade: a selecção foi cinzenta?
PA: Foi muito cinzenta, foi. A selecção foi muito cinzenta. O jogo com a Costa do Marfim foi um deserto de ideias, o jogo com Brasil foi um deserto de ideias, o jogo da Espanha idem aspas. A excepção foi a Coreia do Norte, que era uma equipa teoricamente muito mais fraca, mas curiosamente quando o marcador ainda estava equilibrado teve boas oportunidades para se adiantar e até para surpreender Portugal. A Coreia entrou com muita sobranceria, porque fez um bom jogo com o Brasil e convenceu-se de que poderia ganhar a Portugal, foi esse o seu problema. Caso contrário, apesar dos sete-zero, a selecção portuguesa se calhar até nem teria ganho à Coreia do Norte.

F: A selecção viveu no oito, saltou para o oitenta e regressou ao início.
PA: A ideia que eu tenho da selecção portuguesa neste Campeonato do Mundo, muito por culpa do seleccionador, do actual... (actual, que já nem é actual, o seleccionador suspenso!...) é que Portugal tem um sistema de jogo de pontapé para a frente. É o sistema do tranco e barranco! Portugal joga para o Ronaldo correr atrás da bola, o que é um sistema completamente inadequado para as características do principal jogador de Portugal e do Mundo, neste campo a par do Messi. A selecção portuguesa teria de jogar para o Ronaldo, mas de uma forma diferente, sem o obrigar a correr desenfreadamente, tipo Obikwelu, atrás da bola. Não pode ser. Portanto, esse tipo de jogo limitou muito a selecção portuguesa, porque é um estilo que favorece quem defende, o pontapé para a frente para a corrida do Ronaldo beneficia claramente o defesa adversário. Por isso, Portugal ficou completamente manietado, teve poucas ocasiões de golo nos três jogos que citei, fora a Coreia do Norte. Foi uma equipa muito cinzenta, muito abúlica e que, na minha opinião, regrediu com a aposta que a Federação fez no Carlos Queiroz.

F: Então é justo considerar como um fracasso a prestação de Portugal?
PA: Para mim, este Campeonato do Mundo, foi um fracasso. É fácil dizer como o Carlos Queiroz: é natural perdermos com a Espanha por uma bola a zero. Não é só esta derrota que tem que ser avaliada. Têm que ser avaliados quatro jogos, o rendimento da equipa nessas partidas e o sistema utilizado pelo Carlos Queiroz. Diria que Portugal tem um sistema inadequado e um estilo de jogo que só por si, na minha opinião, motiva o afastamento do seleccionador: o estilo não é compatível com os jogadores. É completamente desapropriado.

F: Carlos Queiroz é o principal culpado?
PA: A equipa técnica, neste caso o Carlos Queiroz, é a principal culpada desta prestação negativa, muito cinzenta e sem graça, que Portugal teve neste Campeonato do Mundo.

F: O que seria positivo?
PA: Espectáculos convincentes, jogos em que Portugal impusesse um estilo de jogo compatível com a qualidade dos jogadores que tem e que não modificasse três/quatro jogadores por jogo, porque é impossível assimilar processos, criar rotinas e manter a mesma bitola em termos qualitativos. Foi o que o Carlos Queiroz fez. Ainda estamos hoje por saber a razão para o Nani ter saído da selecção...

F: Como é possível que tenha passado tanto tempo despercebido?
PA: As explicações ainda não foram convincentes, aliás os médicos da selecção ainda não explicaram a lesão, o que também se estranha, como é óbvio, não colocando em causa a honestidade de ninguém. Mas é estranho. Nani era o jogador em melhor forma antes do Campeonato do Mundo, melhor do que Ronaldo, Simão ou do que qualquer outro jogador da linha atacante, era uma grande esperança de Portugal e vai ser um dos principais jogadores do Manchester United e da Premier League nesta nova época, não tenho dúvida. Ninguém percebeu. Como também ninguém entendeu a chamada de Pepe.



F: O que falhou na África do Sul?
PA: O processo começou todo inquinado. Desde a trapalhada de uma convocatória de cinquenta pré-convocados que, afinal, não eram cinquenta, passaram a ser cinquenta e um, porque houve um jogador [Manuel Fernandes] que foi esquecido nesses cinquenta, que depois passou a figurar num grupo de seis de um lote final de vinte e três que, afinal, eram vinte e quatro, e depois passaram a vinte e três. Essa trapalhada deu origem a vinte e sete insatisfeitos, porque é a diferença entre os eleitos e os pré-convocados. Portugal foi a única selecção do Mundo que anunciou cinquenta pré-convocados, criando falsas expectativas a alguns jogadores, o que eu acho lamentável, a FIFA obriga apenas à divulgação de trinta nomes - sete de reserva e vinte e três efectivos. Era desnecessária aquela lista perfeitamente desapropriada, inadequada, descontextualizada. Daqueles tais cinquenta nomes, alguns deles nunca figuraram na selecção, nem em estágios nem em convocatórias, absolutamente nada...

F: Isso ainda à partida.
PA: Depois, a chamada de Rúben Amorim para o lugar de Nani também ninguém percebeu, são jogadores completamente diferentes, posições diferentes... O Rúben Amorim chega ao estágio da selecção depois de ter interrompido as férias, presumo que no Dubai, e, ao fim de dois dias e algumas horas, joga depois de uma lesão de Raúl Meireles, deixando de fora, por exemplo, Miguel Veloso, que actua na mesma posição e que estava desde o início do estágio na Covilhã. Portanto, eu pergunto: como é que se ganha um grupo quando um jogador chega há dois dias e é utilizado em detrimento de outro que joga no mesmo lugar e tem todos os dias de estágio? Como é que se consegue impor liderança quando se tomam decisões destas?

F: A falta de liderança terá sido o ponto de partida para o fracasso?
PA: Sim! Carlos Queiroz poderá ser um bom número dois. Aliás, os bons trabalhos que tem como treinador de equipas seniores são assim, não conheço nenhum trabalho do Carlos Queiroz numa equipa senior como número um, não conheço!... Acho que são dados que provam que ele não tem esse dom: Carlos Queiroz não tem o dom de ser um bom número um! Poderá ter de ser um bom número dois, até acredito que o seja, porque é um especialista reconhecido em metodologia de treino. Foi sempre esta a minha ideia, mantenho e os resultados estão à vista de toda a gente. Também não concordo que o Agostinho Oliveira tenha assumido de uma forma interina a selecção, como não concordaria se fosse qualquer um dos outros actuais adjuntos do Carlos Queiroz. Teria de passar por outra solução. O Agostinho Oliveira disse em sede de inquérito [repete, levantando o tom], está escrito, que tomaria a mesma atitude que o Carlos Queiroz perante a situação relacionada com a visita dos médicos do controlo anti-doping. Se o Carlos Queiroz é suspenso pela atitude que teve, o Agostinho Oliveira, num critério igual, também não poderia assumir a selecção.

F: Como se explica a existência de tantos conflitos envolvendo o seleccionador?
PA: O problema que acontece é que a Federação não quer ficar com o Carlos Queiroz e a indemnização é superior a três milhões de euros, é muito cara. E a Federação começou por arranjar este "instrumento" de despedimento, que seria a justa causa por estas injúrias - provadas! - aos médicos do anti-doping, para evitar a indemnização. Está claro que a Federação não quer o professor Carlos Queiroz. Também não percebi esta suspensão de um mês, porque numa reunião da Direcção da Federação tinha ficado decidido por unanimidade que Carlos Queiroz seria afastado, na reunião seguinte o caso foi entregue ao Conselho de Disciplina e, afinal, na terceira reunião a Federação decidiu ratificar a decisão tomada pelos órgãos disciplinares colocando-a em prática com o afastamento de um mês e multa de mil euros. Não percebi. Portanto, isto de facto é uma trapalhada. E terá de redundar na saída do professor Carlos Queiroz: nunca mais será seleccionador, não tenho dúvida absolutamente nenhuma, pelo menos enquanto estes dirigentes lá estiverem e vamos andar de processo em processo. [Irónico] Como um mês é pouco tempo de suspensão, há que afastar mais tempo, agora há outro processo devido a uma entrevista ao Expresso, depois deste processo ainda haverá mais qualquer coisa...

F: As condições de continuidade do seleccionador esfumaram-se?
PA: Eu estou convencidíssimo que o professor Carlos Queiroz não tem condições nenhumas para voltar a ser seleccionador. Ponto um: a Federação não quer que Carlos Queiroz continue como seleccionador. A Direcção federativa, por unanimidade, até já terá tido essa decisão, ou pelo menos terá desenvolvido essa ideia numa reunião que aconteceu antes da decisão do Conselho de Disciplina. Ponto dois: Carlos Queiroz não tem condições para continuar. Foi confrontado durante o Campeonato do Mundo directamente por alguns jogadores pelas decisões que tomou - Cristiano Ronaldo, Pepe e Simão Sabrosa, que agora acaba de renunciar - e, portanto, Carlos Queiroz não possui condições para continuar a liderar a selecção portuguesa. Não tem. E na possibilidade académica de o Carlos Queiroz terminar o castigo e regressar à selecção: como é que um grupo de jogadores pode respeitar um líder que até foi castigado pela entidade patronal recentemente? Isto não tem ponta por onde se lhe pegue.

F: A Federação não deveria, a bem do futebol português, ter tomado uma atitude mais frontal?
PA: Acho que a Federação deveria ter optado por uma decisão salomónica, deveria ter chamado o seleccionador nacional e deveria ter dito: nós não estamos interessados na sua continuidade, não nos agradou o seu trabalho, a indemnização é xis e vamos tentar um acordo que possa subtrair algum dinheiro àquilo que está estabelecido contratualmente, chegando a uma rescisão amigável. A selecção portuguesa de futebol é de todos os portugueses. Se a Federação fizesse uma sondagem e a divulgasse ao professor Carlos Queiroz, eu estou convencido de que oitenta ou noventa por cento da população portuguesa quereria o afastamento do seleccionador. Explicar isto ao professor Carlos Queiroz, fazendo-lhe ver que o ambiente nunca mais poderia ser o que era depois do que aconteceu no Campeonato do Mundo pelas decisões dele - da trapalhada da convocatória aos problemas com os médicos do controlo anti-doping e no relacionamento com dirigentes da Federação e com jogadores - tentando chegar a um entendimento. Acho que era a forma mais digna de as pessoas, quer da Federação - que representa, repito, todos os adeptos portugueses - quer do Carlos Queiroz.

F: Portanto, há erros de ambas as partes?
PA: Sem dúvida nenhuma. Ambos falharam.

NOTA: A entrevista tem continuação. Na segunda parte, num olhar ao futuro, em reflexão a próxima edição do campeonato português.

A ironia de Roberto pelo meio da vitória do Benfica

O futebol tem requintes de malvadez. É irónico e revolucionário. Pode colocar algum protagonista na lama, criticado e desprezado por tudo e todos, mas também o consegue levantar, de rompante, sem que nada o fizesse prever e dar-lhe confiança. Roberto Jiménez, guarda-redes do Benfica, é um caso perfeito. Começou a época intranquilo, titubeante, falhando onde não poderia. Ouviu críticas, subiram de tom, Jorge Jesus manteve a aposta, não quis dar o braço a torcer. Até as condições de Roberto continuar na baliza do Benfica terem desaparecido - as duas derrotas nas duas primeiras jornadas do campeonato aliadas à derrota na Supertaça Cândido de Oliveira fizeram soar o alarme, Jorge Jesus teve que tomar uma decisão. A bem do clube, do grupo e do jogador. Por isso, Júlio César foi titular frente ao Vitória de Setúbal. É aqui que surge a ironia.

O Benfica entrou bem, forte, a marcar e mandando para bem longe fantasmas de um novo desaire. O campeão ainda não se encontrara nesta nova temporada. Um golo cedo, antes dos cinco minutos, foi o melhor que poderia ter acontecido aos encarnados. Até pelo marcador: Óscar Cardozo, melhor goleador do último campeonato, letal e decisivo, na sua estreia em golos na nova época. De novo, como em 2009, quebrando um jejum de dois jogos e marcando ante o Vitória de Setúbal. Se bem que diferente, sem qualquer ponta de comparação com a equipa que foi trucidada pelo Benfica no início da caminhada para a conquista do título, os sadinos poderiam ser o adversário ideal para a equipa de Jorge Jesus, depois dos solavancos iniciais, assentar e regressar às vitórias. Os tempos são outros, mantém-se o propósito de triunfar.

Controlo do Benfica, um golo de vantagem, sem preocupações defensivas pela pouca intervenção do Vitória de Setúbal. Chega o minuto vinte e três: Maxi Pereira atrasa mal a bola, Júlio César não a afasta no instante, Zeca é feliz, ganha e o guarda-redes brasileiro trava-lhe a marcha rumo à baliza. Grande penalidade, vermelho directo, oportunidade de ouro para empatar. Do banco, onde estava sentado, salta Roberto. A frio, apoiado pelos adeptos, num momento cortante. Uma defesa no remate, travando a grande penalidade, pode relançar-lhe a carreira, devolver-lhe o carinho dos adeptos, injectando uma descomunal dose de confiança. Hugo Leal parte para a bola e Roberto defende. Festeja-se como se fosse um golo. Não é, mas tem quase o mesmo sentido. A grande penalidade foi falhada e o Benfica, com dez, continua na frente.

O mais sarcástico de tudo é que Roberto, no primeiro jogo em que Jorge Jesus o coloca como suplente, vê-se obrigado a entrar em jogo, numa altura delicadíssima, para ser fundamental - antes tivera sido protagonista pelos piores motivos, por relevar deficiências técnicas, sobretudo no jogo aéreo. A sua defesa aumentou a confiança do Benfica, manteve a equipa sólida, sempre mais capaz do que o Vitória de Setúbal. Aos sadinos faltou arrojo, audácia e convicção para fazer valer a superioridade numérica e apostar forte, mesmo com recursos incomparavelmente inferiores aos do Benfica, na tentativa de surpreender. O golo de Luisão, num cabeceamento certeiro antes do intervalo, deu tranquilidade ao Benfica, deixou a vitória na mão. O campeão ainda marcou mais um, por Aimar, geriu os ritmos de jogo, controlou o adversário e foi sempre melhor. Ganhou: o jogo, um golo de Cardozo e uma parada fundamental de Roberto.

sábado, 28 de agosto de 2010

Entrevista: Pedro Azevedo



Pedro Azevedo é uma voz dos relatos, há mais de duas décadas atrás dos microfones, quase exclusivamente da Rádio Renascença, sempre disposto a noticiar, chegando à informação primeiro, ganhando uma corrida renhida pelas fugas que surgem sempre, resta saber encontrá-las, até no negócio que parece no segredo dos deuses e sem o mínimo detalhe à solta. Antes da última edição de Bola Branca, no dia 27 de Agosto de 2010, espaço para voltar atrás, viajar de novo até África do Sul. Correu bem pela experiência. "Foi o melhor Mundial em que estive", garante. Já depois de ter estado na Ásia e da Alemanha. Mas mal-sucedido para Portugal, uma selecção sem rasgo e sem um clique de génio, demasiado pragmática e expectante, envolvida em intrigas, mistérios e polémicas evitáveis. Para Carlos Queiroz, sobretudo: o seleccionador está numa encruzilhada, um beco sem saída, esfumaram-se as condições. "É o principal culpado", atira sem hesitar.

O Mundial da África do Sul foi bom pela organização, pela experiência e pela logística. "Os jornalistas tiveram todas as condições de trabalho", assegura Pedro Azevedo. Opinião de quem diz que os estádios ingleses, por exemplo, são incomparavelmente inferiores aos portugueses, construídos ou remodelados para receber o Euro 2004. Depois, um olhar ao campeonato: ao título, num três mais um, com os grandes e um outsider chamado Sp.Braga, uma corrida onde, apesar do mau início, Pedro Azevedo coloca o Benfica na pole-position. Trata-se, afinal, do campeão, tem o mesmo treinador e não mudou assim tanto em relação ao ano passado. Mas, atenção, porque o FC Porto "se reforçou bem" e o Sp.Braga, caso dê continuidade aos resultados alcançados, será uma séria ameaça. E o Sporting? "Coloco muitas reticências", assegura. A entrevista pode ser lida a partir de amanhã - será publicada a primeira parte. Um olhar ao passado, ao presente e ao futuro no FUTEBOLÊS.

FRASES-CHAVE DA ENTREVISTA

A selecção portuguesa foi cinzenta, abúlica, não teve um sistema apropriado.

Faltou liderança a Carlos Queiroz.
Não conheço nenhum trabalho de Queiroz, em equipas seniores, como número um.
Agostinho Oliveira não é a melhor solução.
A Federação deveria ter tomado uma decisão salomónica.
Benfica, FC Porto, Sp.Braga e Sporting formam a grelha de candidatos ao título.
O futebol português necessita de maior promoção, de ser mais vivido.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Sorteios europeus: Sorte amiga

LIGA DOS CAMPEÕES: FOI POR ENCOMENDA?

Não sendo cabeças-de-série, Benfica e Sp.Braga, campeão e vice-campeão em representação portuguesa na Liga dos Campeões, estariam sempre sujeitos à sorte, podendo ficar inseridos em grupos de colossos mundiais, de um Barcelona ou de um Inter de Milão até um Real Madrid de quem todos fogem como o diabo da cruz, complicando substancialmente a tarefa apresentada. Mas pode-se dizer que a sorte esteve ao lado de ambos, sobretudo, do Benfica: os encarnados defrontarão os franceses do Olympique de Lyon, que surgiu como cabeça-de-série, os alemães do Schalke 04 e os israelitas do Hapoel Tel Aviv. Por outro lado, o Sp.Braga, surgido como outsider nesta edição da Liga dos Campeões, terá pela frente o Arsenal (Inglaterra), o Shakthar Donetsk (Ucrânia) e o Partizan (Sérvia). Há equilíbrio, fugiram os principais tubarões, menos o Arsenal, pelo que Benfica e Sp.Braga mantêm as esperanças de seguir em frente.

O Benfica começará a sua participação em casa, a 14 de Setembro, defrontando o Hapoel Tel Aviv. Os israelitas, equipa menos cotada do grupo B, de onde se destaca o guarda-redes nigeriano Enyeama, poderão criar algumas dificuldades jogando em casa, mas tem contra si o facto de a UEFA ter proibido a utilização do Bloomfield Stadium. Logo após segue-se o Shalke 04, vice-campeão alemão comandado por Felix Magath e reforçada com o histórico goleador Raúl, juntando-se a Farfán no ataque, antes de encerrar a primeira ronda de jogos frente ao Olympique de Lyon, há dois anos em jejum depois de sete campeonatos conquistados. Na equipa de Claude Puel, que chegou às meias-finais da Liga dos Campeões na época transacta após ter deixado pelo caminho o Real Madrid, a equipa dos velhos conhecidos Lisandro López e Aly Cissokho, vendidos pelo FC Porto, tem em Hugo Lloris, Gomis e Lisandro as principais figuras.

Vivendo uma experiência memorável, ganhando pela primeira vez no seu historial uma vaga na fase de grupos da Liga dos Campeões, o Sp.Braga, mesmo tendo o Arsenal no seu grupo, pode ambicionar continuar em prova. A equipa portuguesa começará precisamente no Emirates Stadium, frente aos gunners, nas últimas épocas adversário do FC Porto. O Arsenal é forte, tem Cesc Fàbregas, Robie van Persie ou Niklas Bendtner na linha atacante, e apadrinhará a estreia do Sp.Braga, a 15 de Setembro. Na segunda jornada, em Braga, onde a equipa portuguesa poderá somar pontos importantes, defrontará o Shakthar, campeão ucraniano, treinada por Mircea Lucescu e vencedora da Taça UEFA em 2008-09, que será, em teoria, o principal rival do Sp.Braga no corrida a um lugar para acompanhar o Arsenal. Na última ronda, também em casa, os minhotos defrontarão o Partizan de Belgrado, equipa do português Moreira.

LIGA EUROPA: FAVORITOS, CLARO!

Colocados como cabeças-de-série, depois de ultrapassado o playoff, FC Porto e Sporting evitaram, logo à partida, adversários mais credenciados e experientes, até em Liga dos Campeões, como Liverpool, Juventus, Atlético de Madrid (vencedor da Liga Europa no ano anterior), Villarreal, PSV Eindhoven ou Sevilha, por exemplo, além de AZ Alkmaar, Zenit, Estugarda e CSKA de Moscovo. Dragões e leões estão, por isso, inseridos em grupos onde têm boas hipóteses de se assumir como equipa mais forte e carimbar o acesso à fase seguinte: o FC Porto defrontará os turcos do Besiktas, os búlgaros do CSKA de Sófia e os austríacos do Rapid de Viena; ao Sporting, o sorteio colocou no caminho os franceses do Lille, os búlgaros do Levski de Sófia e os belgas do Gent. Curioso que as duas equipas portuguesas tenham de enfrentar dois dos principais emblemas da Bulgária e de Sófia: CSKA e Levski.

No FC Porto, inserido no grupo L da Liga Europa, há destaque para o regresso de Ricardo Quaresma, primeiro idolatrado e depois perdendo espaço nos dragões, que procura relançar a carreira, depois dos fracassos no Inter e no Chelsea, ao serviço dos turcos do Besiktas. Será, aliás, o adversário mais forte que os dragões terão pela frente - reeditando a fase de grupos da Liga dos Campeões, em 2007-08, onde o FC Porto venceu ambos os jogos, num deles, em Istambul, com golo precioso de... Quaresma, também autor de um golo no Dragão. As viagens longas serão, também, outro incómodo para a equipa portuguesa, podendo encontrar ambientes difícies de ultrapassar, especialmente na Turquia e na Bulgária. O FC Porto parte como favorito à passagem aos dezasseis-avos-de-final da Liga Europa. Indiscutivelmente. CSKA, de onde saiu Rui Miguel há poucos dias, e Rapid são adversários bem acessíveis.

Deixando para trás o Brondby, fortalecido pela reviravolta conseguida na Dinamarca que anulou a surpresa inicial, o Sporting, também evitando adversários mais traquejados, terá, teoricamente, no Lille, o seu principal oponente. A equipa francesa, onde Ricardo Costa jogou na temporada passada, quarta classificada do último campeonato gaulês, tem no jovem Eden Hazard, de dezanove anos, a principal referência e promessa rumo ao futuro. Estará, à partida, na discussão por um lugar na fase seguinte da Liga Europa. O Gent, adversário do Genk que o FC Porto deixou para trás no playoff, foi vice-campeão belga e ultrapassou, para chegar à Liga Europa, o Feyenoord: pode ser encarado como um outsider, por não ser declaradamente candidato à passagem mas possuir valor. O Levski de Sófia (que no início do mês, em duelo com o CSKA, adversário do FC Porto, saiu vencedor - 1-0) é o rival menos cotado.

Liga Europa: Confirmar, dar a volta e desiludir

FC PORTO-GENK (4-2): CONFIRMAÇÃO NA NOITE DO INCRÍVEL

Um resultado eficaz, com três golos marcados fora de casa, patenteando a superioridade, não deixando o triunfo por mãos alheias, para encarar a segunda mão, inserida entre dois jogos de campeonato, com uma almofada confortável. Não há pressão, a eliminatória está feita, mas mantêm-se responsabilidades, sem alterar o que quer que seja, perante um público exigente, confiante e cada vez mais sincronizado com a equipa. O FC Porto vive um bom momento, André Villas Boas vai quebrando as desconfianças e tem os adeptos consigo. Os dragões vencem, mostram-se em bom plano, apesar de ainda existirem lacunas, apontam a um futuro risonho, mais ousado e audaz, mostrando capacidade para voltar às conquistas. Na Liga Europa, cumprindo a segunda parte da eliminatória com o Genk, chegou à fase de grupos.

Ganhar os dois jogos ao Genk, uma equipa belga longe de ser de primeira linha, foi um objectivo claro e realista traçado por André Villas Boas. Não há que enganar: o FC Porto é superior, colectiva e individualmente, possui historial e melhores recursos, por isso tem todas as condições para triunfar, impedindo surpresas e uma passagem sem deslumbrar. Ganhar, marcar as diferenças e seguir em frente - aí estava a meta. Alcançado na primeira mão, com seguimento no jogo do dragão: o FC Porto ganhou, marcou sete golos e sofreu dois, conseguindo estar presente na fase de grupos da Liga Europa. No jogo do Dragão, suplantando uma entrada demasiado relaxada pelo conforto do primeiro triunfo e, depois, fazendo jus à superioridade, mesmo com alguns tremeliques pelo meio e fragilidades colocadas a nu, o FC Porto aniquilou o Genk.

O Genk chegou com a eliminatória perdida, rotulada de ter uma recuperação impossível, mudou os protagonistas e assumiu uma boa atitude. É uma equipa sabe o que fazer com a bola nos pés, interessante no meio-campo, mas que se revela desastrada na defesa. O golo de Vossen, uma surpresa, deu esperança, sim, mas pouco mudou. Logo após, Hulk teve o golo nos pés numa grande penalidade que Koteles travou. O Incrível, impossibilitado de jogar em Genk, quis marcar. Pegou na bola, fintou, tentou. Perdeu-a, irritou os adeptos, ouviu assobios. Respondeu com um hat-trick: um livre potente, uma grande penalidade em jeito e, para fechar as contas, uma bomba disparada noutra bola parada. Foi feliz. Pelo meio, Fernando estreou-se a marcar em jogos oficiais e Vossen, o melhor do Genk, fez tremer os centrais portistas.

BRONDBY-SPORTING (0-3): O GOSTO DE MARCAR NO FINAL

Surpresa na primeira mão: pela exibição incapaz de contornar a defensiva dinamarquesa, pela derrota e pelos dois golos sofridos em casa que deixaram a eliminatória por um fio. O Brondby, ao ter ganho em Alvalade, partiu na frente, com uma vantagem preciosa de ter marcado no terreno no adversário, algo fulcral numa eliminatória. Manteve-se, contudo, inferior ao Sporting. Mas vai na frente e isso é o mais importante nesta fase. Não cresceu da noite para o dia, não passou a ser um adversário poderoso. A missão dos leões, complicada mas plenamente ao alcance, foi concluída com sucesso por Sporting guerreiro: lutou, fez valer a sua maior valia, anulando o resultado da primeira mão, para garantir a presença na fase de grupos, contando também com uma dose de felicidade. Sorriu por último e isso é o mais importante.

O Sporting gosta de deixar a emoção para o final. Antes disso, tem oportunidades, tem ascendente, também sente algumas ameaças do adversário, mas é só no final, nos últimos instantes, que sentencia a vitória. Contra o Marítimo, na segunda jornada do campeonato, triunfou, mesmo no minuto noventa, através de uma grande penalidade de Matías Fernández. Na Dinamarca, ante o Brondby, completou a reviravolta, marcou o terceiro golo, o da passagem, no final. Trabalhou, entregou-se, teve atitude. Não foi brilhante, nada disso, mas alcançou o triunfo com querer. Um belo golo de Yannick, também no minuto noventa, colocou o passaporte para a fase de grupos na mão do leão. Sem surpresa na teoria, porque o Sporting é mais forte, mas conseguindo destroçar a meia-surpresa que o Brondby conseguira há uma semana.

A equipa leonina começou mal, melhorou com o passar dos minutos e acabou por sair vencedor. É a primeira vez que o Sporting o faz na Dinamarca e que consegue terminar por cima numa eliminatória depois de derrotado na primeira mão. O golo marcado por Evaldo, instantes antes do intervalo, coroando a belíssima exibição do lateral brasileiro, serviu de tónico para uma segunda parte mais aguerrida, melhor para o Sporting, disputando a sua sorte, procurando um golo capaz de anular a vantagem do Brondby. Rui Patrício, solidificado e imperial na baliza, impediu um retrocesso, um golo capaz de deitar definitivamente por terra as aspirações leoninas, deu o mote para a vitória. Nuno André Coelho empatou a eliminatória a um quarto-de-hora do final, num golo consentido por Stephen Andersen. A surpresa desfez-se. Yannick, no final, colocou um sorriso na face do leão.

MARÍTIMO-BATE BORISOV (1-2): ADEUS ANUNCIADO

Três golos de atraso, derrota pesada, tarefa árdua pela frente, sim, mas possível. O BATE Borisov, campeão bielorrusso, é uma equipa mais experiente, traquejada e capaz, enquanto o Marítimo dá os primeiros passos europeus, ainda busca maior consolidação, mesmo tendo destroçado, por ser melhor, os dois adversários que encontrou nas eliminatórias antes do playoff que antecede a fase de grupos da Liga Europa. Na Bielorrússia, na primeira mão, a equipa portuguesa teve boas oportunidades, falhou na pontaria, sujeitou-se às investidas do BATE Borisov, sofreu, desorientou-se e terminou em apuros, com um resultado desencorajador, confortável para a gestão do BATE. O campeão bielorrusso jogou com a intranquilidade madeirense, com a ânsia de vencer e confirmou a vantagem alcançada. O Marítimo cai, em grande parte, por culpa própria. Esperava-se algo melhor.

Com o relógio consigo, sem ter de arriscar em busca de um triunfo, o BATE Borisov, que não sendo nenhum papão é uma equipa mais calejada do que o Marítimo, esperou pela equipa portuguesa, entregou a iniciativa e apostou forte no contra-ataque. Letais nas oportunidades que tiveram, conseguindo impor-se no resultado, o BATE adiantou-se por Pavlov, desarmou a tentativa de reacção do Marítimo e, perante a réstia de esperança madeirense, traçou a sua sina, não restando dúvidas de que estaria presente na fase seguinte da Liga Europa. A equipa portuguesa, à semelhança do que acontecera no jogo da primeira mão, acusou o golo, sentiu-se perdida e transpareceu impotência para chegar, pelo menos, a um triunfo neste jogo. Sob o final, se bem que já com nada em jogo, o Marítimo, por Kanu, empatou. Nem isso, contudo, ficou:
Shavysh recolocou o BATE em vantagem. O Marítimo poderia ter feito mais.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Opinião: O crescimento de um guerreiro burguês



Calma. Respirar, jogar, lutar e crescer. Correr por um sonho, por uma oportunidade que não se desperdiça com duas tretas, deixar tudo em campo, sentir o suor escorrer pelo rosto, antes de ser recompensado. Chamam-lhes guerreiros. Os Guerreiros do Minho, uma legião, vinda dos tempos antigos para se adaptar na modernidade: com raça, com querer, com enorme vontade de triunfar. Jogando pela certa, com riscos, sim, mas calculados, não pretendendo um passo maior do que a perna, uma ambição sem limites capaz de deitar tudo por terra, a aproximação aos grandes cada vez mais forte. O Sp.Braga não procura um título, um oásis num deserto, conquistado para enfeitar o currículo. Ganhou, faz-se a festa, esquece-se o futuro e emoldura-se esta vitória para a imortalidade: não. Isso seria um fogacho, um aparecimento repentino, nada efectivo. O que o Sp.Braga quer realmente é ser um grande. Com calma. Respira, joga, luta e cresce.

O Braguinha era um clube simpático. Capaz de se colocar nos primeiros lugares, capaz de disputar uma vaga europeia, capaz de alguns belos resultados. Ficava por aí. Sempre lhe faltou um clique para despertar e tentar afirmar-se, distanciando-se dos outros, dos tais pequenos onde estava inserido, para chegar ao topo. Já era burguês. Tinha historial, jogadores e resultados. Mas como qualquer burguês, situados ali numa posição intermédia, que nem é carne nem é peixe, interessa chegar à nobreza. Aos principais, aos que mandam, os que reúnem as atenções, que são o verdadeiro máximo da pirâmide. Aí, se bem com algumas intromissões de Boavista e Vitória de Guimarães, procurando a sua afirmação, estão os grandes. Dominam, conquistam, gerem. Entre si, ano após ano, discutem o título nacional e a representação europeia na Liga dos Campeões. Há excepções, sim, mas não passa disso: excepções a uma regra antiga.

Um burguês quer subir pelo seu mérito, pelas qualidades que possui, mantendo-se trabalhador para o resto da vida. Entra a lógica do capitalismo, do maior rendimento, para se fixar no cimo. Chegar ao topo, escalando a pirâmide a partir da base, é difícil. Mas bem pior do que isso, num jeito de missão impossível, é continuar, intrometer-se, juntar-se e, ao fim de um certo tempo, terminar com distinções: começou pobre, foi crescendo e amealhando resultados, chegou ao topo. Não por um ano, não por um momento, não por um espaço curto. Chegou e ponto. Está lá, faz parte do grupo, mostrou a sua fibra. O caso do Sp.Braga é assim. Não querendo sucesso imediato mas raro, sendo mais um a entrar em queda livre depois de subir mais alto do que nunca, cresce a cada dia, soma resultados que o engrandecem, exibições que o suportam, feitos alcançados que o colocam ao lado dos três grandes. Para passar a ser um deles.

O Sp.Braga foi vice-campeão, manteve grande parte do seu plantel, mesmo tendo perdido peças importantes, abriu horizontes para uma nova disputa até final no campeonato e garantiu um lugar na Liga dos Campeões. São feitos de grande. A adesão do público é cada vez maior, a cidade confunde-se com o clube e apoia-o, o Braguinha está enterrado de vez para dar lugar aos Guerreiros do Minho, representantes de uma região, lutadores incansáveis defendendo as cores portuguesas, colocando a fasquia cada vez mais elevada e exigindo cada vez mais a si próprios. Mesmo que ninguém o assuma. António Salvador, o principal obreiro do crescimento do Sp.Braga, não se coloca em bicos de pés, chamando a si as atenções, afirmando-se como quatro grande, como equipa que será campeã. Assume o desejo. É isso. No seu interior, por certo, saberá ser possível. Só que fica lá dentro apenas. Sob pena de ser mal-sucedido.

É mais um conceito burguês: o trabalho é a melhor forma de afirmação social. O Sp.Braga, para ser considerado um grande, não precisa de o anunciar aos sete ventos, gritar para todos os cantos do Mundo, encher o peito e dizer que nada deve aos grandes. Tem que o mostrar. Sem fazer ondas, sem se elevar, sem perder-se em confusões desnecessárias. O Sp.Braga quer ser grande, joga como um grande, luta pelos mesmos objectivos e equipara-se. Está ainda em crescimento, vai queimando etapas, sempre com a cabeça bem assente nos ombros e os pés pregados ao chão. Esse é o objectivo. Todos sabem que é, só poderia ser, o clube vive a sua melhor fase. Mas não é assumido declaradamente? E é preciso? Não, nada, porque a cobrança seria maior, a pressão também, o Sp.Braga teria de se tornar numa máquina. Assim, como quem não quer a coisa, como quem é outsider, ainda é capaz de surpreender.

Surpreender, como quem diz..., porque de surpresa tem pouco. É quase como uma telenovela, cheia de suspense e mistério, uma verdadeira caixinha de surpresas prometida, mas que afinal termina com um herói feliz da vida e um vilão, depois de muito se rir, arruinado. O Sp.Braga cresce, tem capacidade para subir ainda mais, largou o grupo em que estava para se aventurar numa corrida de perseguição os grandes. Está a ter sucesso, consegue lucrar, intromete-se na luta do título, faz com que seja olhado de outra forma para o futuro, além de ganhar dimensão europeia. Domingos Paciência tem mérito, soube manter e subir os níveis da equipa, superou a prova de fogo, conseguiu ser importante no crescimento do clube. Todos os treinadores foram, António Salvador sempre se apresentou como líder, empreendedor e competente, para que fosse possível. O Sp.Braga cresceu, ganhou um novo estatuto e continua em evolução. Sempre.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Made in England: Início demolidor do campeão

Um início de campeonato arrasador: dois jogos, doze golos marcados e nenhum sofrido. Parece quase irreal. O Chelsea entra assim, forte e de rompante, na defesa do título. Primeiro foi o West Bromwich Albion e no passado fim-de-semana o Wigan. Curiosamente na última jornada da época passada também o Wigan foi goleado em Stamford Bridge, na altura por 8-0 - também as apostas para a vitória estavam todas com o Chelsea. Quanto ao jogo, a história é muito simples: os homens de Carlo Ancelotti dominaram a seu bel-prazer sem que o frágil adversário conseguisse esboçar qualquer resistência. Surpresa foi o facto de Drogba não ter marcado. Os golos ficaram a cargo de Malouda, Anelka (dois), Kalou (dois) e Benayoun.

O Arsenal após um empate oferecido por Pepe Reina no primeiro jogo, não foi de modas neste segundo e também arrasou com um 6-0 o recém-promovido Blackpool. Mais um jogo unidireccional com um Theo Walcott a mostrar a Fabio Capello o quanto estava errado em não o ter levado para a África do Sul - fez um hat-trick e brilhou, sendo considerado o melhor em campo. Arshavin, Diaby e Chamakh completaram a goleada. Também goleado foi o Aston Villa, uma das equipas sensação na época passada. Em Newcastle, promovido este ano, a surpresa foi total ao ver os da casa ganharem por uns inequívocos 6-0. Os jogadores do Villa foram uma pálida imagem de si mesmos e saíram humilhados no final da partida.

No jogo que opôs o Fulham ao Manchester United, a escassos minutos do fim, os red devils ganhavam por 2-1 e Nani preparava-se para marcar uma grande penalidade. Tudo neste momento indicaria que o jogo estava ganho para os de Manchester. Errado: Nani falha e, no minuto seguinte, Hangeland, o mesmo jogador que com um auto-golo colocou o resultado em 2-1, marca o tento do empate para o Fulham. Faz-se justiça de uma forma irónica. No final, sir Alex Ferguson demonstrou o seu desagrado com o falhanço de Nani, uma vez que o treinador escocês preferia que tivesse sido Ryan Giggs a tentar converter a grande penalidade.

O jogo grande da jornada opunha o Manchester City ao Liverpool, duas equipas que se encontram num ponto de viragem. Foram os da casa que dominaram e golearam. O Liverpool continua um pouco apagado, embora no seu primeiro primeiro jogo, na semana anterior frente ao Arsenal, ter tentado dar mostras de conseguir ultrapassar a crise da época passada. Os blues de Manchester, com o sheik milionário dono do clube pela primeira vez nas bancadas, fizeram jus ao investimento feito neste defeso e ganharam por 3-0. Tévez - com a braçadeira de capitão - destacou-se, marcando dois golos, após Barry ter marcado o primeiro. Duas equipas com reais aspirações mas com performances muito diferentes. Manchester City continua bem posicionado nas previsões para suceder ao Chelsea como campeão nacional.

O West Ham não consegue sacudir a crise e perdeu pela segunda vez, desta feita em casa, por 3-1, frente ao Bolton. Avram Grant ainda não fez esquecer Gianfranco Zola e com uma equipa sem fulgor foi batido facilmente em casa por um Bolton que reaparece mais forte, parecendo querer voltar à boa forma que exibiu há algumas épocas. Nos restantes jogos apenas uma surpresa, o empate caseiro a uma bola do Everton frente ao Wolverhampton. As três partidas que sobram foram ganhas com naturalidade pelo Birmingham (2-1), West Bromwich (1-0) e Tottenham (1-2) frente a Blackburn, Sunderland e Stoke City, respectivamente

MADE IN ENGLAND é um espaço quinzenal, assinado por Armando Vieira, que incide sobre o futebol inglês e voltará a marcar presença no FUTEBOLÊS

Sevilha-Sp.Braga (3-4): Guerreiros no seu esplendor

COMENTÁRIO

Ponto prévio: o Sp.Braga ultrapassou o Sevilha, uma equipa emergente no último século, deu asas ao sonho em casa e esticou o estado de graça fora, resistindo a tudo, para se confirmar como a quinta equipa portuguesa a ganhar um lugar na fase de grupos da Liga dos Campeões. Mostrou-se ao Mundo, completou mais uma etapa do seu crescimento, tão grande e contínuo nas últimas épocas, conseguiu deixar para trás um adversário de peso, incomparavelmente superior em termos de orçamento e de estrelas, acreditado, bem acima do Celtic de Glasgow que os bracarenses destroçaram na eliminatória antes de chegar ao playoff. O Sevilha cai com estrondo, sem mostrar a sua valia, surpreendendo, mas claramente merecida a passagem do Sp.Braga, a realização de um sonho de uma vida com uma oportunidade única, que se conseguiu superiorizar nos dois jogos disputados. Lutaram, procuraram a sorte e ganharam. São guerreiros.

Enfrentando o inferno do Ramón Sánchez Pizjuán, ruidoso e escaldante, o Sp.Braga esperou pela maior iniciativa do Sevilha, em busca de um golo capaz de empatar a eliminatória, adaptou-se, jogou recuado, travou o adversário e procurou a sua sorte. Colocar-se demasiado preso ao resultado do primeiro jogo, apenas querendo guardar a vantagem tangencial conquistada, seria contra-natura, animaria o Sevilha, favorecendo os seus maiores atributos individuais, sendo um risco excessivamente alto para correr. O tempo seria sempre um aliado do Sp.Braga. A equipa teria de estar tranquila, imune, concentrada como nunca. A pressão toda no lado do Sevilha, vida ou morte na roleta, tudo para chegar à frente e confirmar maior capacidade no relvado. Em Braga, a equipa espanhola apenas durara uma parte. Pressionou, foi incisiva, mas viu os desejos travados pela muralha do Sp.Braga. Desorientou-se, sofreu e perdeu com justiça.

Marcar aos trinta, aumentar perto dos sessenta e respirar aos noventa. O triângulo de sorte para o Sp.Braga resultou em Sevilha, da mesma forma que resultara na primeira mão, mantendo os protagonistas, apelando a uma pontaria mortífera e infalível, para encontrar os caminhos da tranquilidade na eliminatória: remate forte de Paulo César, defesa incompleta de Andrés Palop e recarga letal de Matheus. Com poucos toques, sem rendilhados, mantendo os intérpretes de Braga mas agora contando com uma involuntária ajuda do guarda-redes espanhol, o Sp.Braga aumentou a vantagem à meia-hora, confirmou a sua capacidade, marcou fora, o que é fundamental, dando um passo decisivo rumo ao seu objectivo. Quebrou-se a desconfiança, Sevilha gelou, os guerreiros, que já haviam resistido ao assalto adversário, colocaram-se na frente. Caiu do céu? Um pouco, sim, porque Palop não fora chamado a intervir. É eficácia.

Dois golos de atraso, com a sua fortaleza caseira desfeita, em apuros cada vez maiores e numa luta contra o tempo: eis o Sevilha, a equipa da moda nas últimas temporadas com bons resultados em Espanha e conquistas europeias, dizimada pelo Barcelona há poucos dias depois de um triunfo na primeira mão da Supertaça espanhola, encarando o jogo com o Sp.Braga, em sua casa, para reescrever a história, passar uma borracha sobre a primeira partida do playoff e voltar a marcar presença na Liga dos Campeões. Com tudo a seu favor, ainda com trunfos por jogar, o Sp.Braga fechou-se, deixou de procurar explorar a defesa sevilhana e concentrou-se nas tarefas defensivas. Deu boa conta, respondeu com acerto, travou o ímpeto espanhol. Domingos Paciência trocou Luis Aguiar por Lima no reinício, procurou manter a equipa com ritmo alto, tentou evitar quebra. O brasileiro foi o joker que faltava. Marcou logo após.

O golo de Lima, num desvio após um cruzamento de Matheus, veloz e endiabrado, deixou o Sevilha em maus lençóis, lançou o Sp.Braga, cada vez mais pujante e confiante, abrindo aos poucos as portas da Liga dos Campeões. Não houve, contudo, tempo para o interiorizar: os sevilhanos, feridos no seu orgulho, lançaram-se para o ataque, Luís Fabiano tentou um remate, a bola não saiu com muita força mas foi suficiente para deixar Felipe pelo caminho e entrar. Num erro individual, presente em qualquer parte, o Sevilha reduziu a desvantagem e, mesmo sabendo ter uma tarefa quase heróica pela frente, ganhou um novo alento. António Alvaréz procurou fazê-lo a partir do banco. José Carlos acertou na trave, Kanouté cabeceou ao lado e, minutos depois, ainda obrigou Felipe a uma bela intervenção. Domingos Paciência, apercebendo-se do crescimento do Sevilha, trocou Paulo César por Paulão. Guardar o ouro: não há que o esconder.

O jogo entrou nos últimos dez minutos. Loucos, frenéticos, memoráveis. Jesús Navas, já depois de José Carlos e Luís Fabiano terem deixado ameaças, empatou. De novo, como no primeiro golo, numa falha individual: Elderson, agora, na pele de réu. A resposta não tardou, chegou no minuto seguinte, servindo o mesmo veneno que o Sevilha à hora de jogo, Lima, aposta acertada e feliz de Domingos Paciência, bisou, aproveitando uma falha colectiva da equipa espanhola. As dúvidas dissiparam-se: o Sp.Braga estaria, mais golo ou menos golo, na Liga dos Campeões. Nada o travaria. A cereja no topo do bolo, com a massa confeccionada por Matheus e sabor a Lima, foi colocada pelo ex-jogador do Belenenses, hat-trick em boa hora, colocando a bola entre Palop e o poste. Kanouté, para salvar a honra do Sevilha, reduziu de cabeça, outra vez numa desatenção bracarense, fixando o resultado final. O Sp.Braga, enfim, pôde respirar e sorrir.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Liga ZON Sagres: Análise da jornada 2

NOVA CARA, VELHO HÁBITO: O DRAGÃO JÁ SE AGARROU AO TOPO

O dragão regressou ao topo, ao seu cantinho de eleição nas últimas temporadas, ocupado por uma águia pujante e dominadora no ano passado, conseguindo colocar-se melhor do que toda a concorrência directa. O FC Porto ainda não encanta, ainda tem falhas, afinações por fazer, mas consegue disfarçá-las e caminhar confiante. Cumpriu, no fundo, a sua obrigação, vencendo a Naval e o Beira-Mar. Leva, por isso, os seis pontos em disputa e apenas tem a companhia do Nacional. Mas, mais importante do que isso, já conseguiu marcar a sua posição perante a concorrência directa, com os desaires dos grandes e o tropeção do outsider: o campeão está no zero, os leões têm três pontos e os bracarenses somam quatro. É muito cedo, sim, mas o FC Porto está em vantagem.

Primeira aparição oficial em casa, primeiras chamas junto dos seus, motivação para dar continuidade ao ciclo vitorioso. O Beira-Mar sabe até onde pode ir, é realista, não teve problemas em reconhecer a superioridade portista. Mesmo assim procurou criar perigo, explorar fragilidades, que existem mas os dragões disfarçam como ninguém, incomodando Helton. Conseguiu-o nos primeiros vinte e cinco minutos: fechou os caminhos, posicionou-se bem e obrigou o FC Porto a errar. O golo de Radamel Falcao, oportuno e letal, soltou o dragão, antes preso por ter ficado órfão de alas por ter perdido Ukra no início, para uma troca de bola eficaz, dominadora, sempre em crescimento. O golo de Belluschi, fabuloso, garantiu a vitória antes do intervalo. O FC Porto elevou o rendimento da segunda parte, o Beira-Mar enrolou a bandeira. O meio-campo azul assentou, pressionou, rompeu e Falcao, puro talento, fixou o resultado.

O Benfica perdeu, pela terceira vez consecutiva no arranque de época, está a zero no campeonato, fez soar o alarme, precisa rapidamente de se reerguer, igualou um mau registo com quase sessenta anos. É incontornável não o referir: Roberto Jiménez, o portero espanhol vive acossado pelo valor que custou, perde espaço de manobra a cada jogo, sempre incentivado por Jorge Jesus, mas fraquejou antes os madeirenses e veste a capa de réu: por não ter sido lesto na saída no golo de Luís Alberto, onde Cardozo falhou a marcação, mas, sobretudo, por ter permitido que um lance inofensivo terminasse no golo da tranquilidade do Nacional. Mas não é o único culpado, porque Gaitán e Cardozo desperdiçaram bolas de golo, ao passo que Rafael Bracali se agigantou na outra baliza. O Benfica está diferente, carente de explosão e equilíbrio, vive apenas de Fábio Coentrão, e só marcou num remate de raiva de Carlos Martins. Foi pouco.

Invertendo a ordem natural dos acontecimentos, relevando o que é mais importante, começa-se pelo final. Tchô derruba Liedson, Bruno Paixão indica grande penalidade, os sportinguistas respiram de alívio por poderem desfazer o nulo, garantindo três pontos preciosos, confiando em Matías Fernández para isso. O chileno parte confiante, imune, atira certeiro. E o Sporting vence o Marítimo, duas equipas derrotadas na primeira jornada do campeonato e a meio da semana para a Liga Europa, criticadas e pressionadas, em busca de uma vitória, fosse como fosse, independentemente da exibição. O Sporting foi sempre mais equipa, mais controladora, criou maior perigo para Marcelo Boeck, mesmo não tendo deslumbrado, bem longe disso, nem sido uma equipa sufocante. Paulo Sérgio arriscou, ficou privado de João Pereira num lance arrepiante, tentou dar maior acutilância à equipa e terminou a sorrir. Três pontos amealhados, ponto final.

Corpo em Setúbal, mente em Sevilha. Tão distantes, realidades incomparáveis, duas provas em que o Sp.Braga quer ser feliz: pretende, como na temporada passada, intrometer-se na luta até final pelo campeonato, cada vez encaixa melhor na ambição dos bracarenses, mas tem os milhões da Liga dos Campeões, a singelos noventa minutos disputados com o Sevilha, na oportunidade de uma vida que não dá para desperdiçar. Domingos Paciência poupou jogadores importantes, como Rodríguez, Alan ou Paulo César, o Sp.Braga jogou num ritmo baixo, teve oportunidades mas esbarrou no guarda-redes Diego, acabou por ficar manietado pela teia de Manuel Fernandes. O Vitória é uma equipa aguerrida, lutadora, procura a sua sorte e esteve perto. O jogo foi dividido, equilibrado e o empate ajusta-se. É melhor para os sadinos, sim, mas o Sp.Braga apostou forte para estar bem em Sevilha. O campeonato é longo, o playoff não.


Para além de FC Porto e Nacional, agora numa liderança partilhada a dois, Sp.Braga, Vitória de Setúbal, Académica e Paços de Ferreira haviam vencido na primeira jornada. Todas empataram agora: os bracarenses e os sadinos anularam-se em Setúbal (0-0), os estudantes cederam em casa num final dramático ante o Olhanense (1-1, justo, com os golos surgidos na ponta final) e os pacenses, também com um nulo, empataram em Leiria - União ainda sem golos marcados e sofridos. Por outro lado, a Naval, vencida pelo FC Porto na primeira jornada, bateu o Portimonse (nova derrota depois de Braga), confirmando a malapata existente no Estádio do Algarve para a equipa e para o seu próprio treinador, Litos. No encerramento da jornada, em Guimarães, Vitória e Rio Ave empataram, mantendo-se sem golos marcados nas duas jornadas. Para os vimaranses é o segundo empate, depois de Olhão, enquanto para o Rio Ave é o primeiro ponto.

O MOMENTO DA JORNADA


segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Opinião: O futebol dos erros, da sorte e do azar



No futebol não há espaço a erros. Ou melhor: é um jogo de erros mas ninguém pode errar. Parece confuso. Não é, até é bem simples. Em campo estão humanos, obrigados a decidir em poucos segundos, tendo de mostrar talento, de funcionar como se fossem robots. Um erro, em futebol, é um pecado capital. Mas se não houvesse erros, o jogo perdia interesse. O adversário fartava-se de lutar, de correr, de insistir e nada. Tudo corria bem, não se abriam brechas, rolava tudo na maior perfeição. Qualquer treinador quer um guarda-redes que defenda tudo, o que pode e o que não pode, que tenha uma defesa semelhante a um muro de betão, um meio-campo mágico e capaz de passes de ruptura para um avançado, tipo Lucky Luke, que não desperdiça uma. Era um sonho. Utópico como é a maioria dos sonhos. Conclusão: o futebol, para ser futebol, tem que ter erros. Vá lá, chegamos a um ponto em que não há muita discussão.


Os erros estão lá. Nos árbitros, nos jogadores, nos treinadores. A estratégia de uma equipa que sabe que tem erros, além de os procurar esconder e superar, é fazer saltar à vista os erros alheios. Depois aproveita-os e conclui. Daí que por vezes, mesmo sem ter que fazer muito para isso, lhe caia uma oportunidade do céu. Não pára para agradecer, nem precisa, basta aproveitar. É aí precisamente que está o ganho. Um irá vencer, o outro perder. E logo a seguir tudo se altera, o estado de graça passa para o adversário, os problemas dos outros instalam-se, tudo fica de pernas para o ar e o mar de rosas agita-se numa rebelião sem fim. Não há muito a fazer com isso. E é o que está a acontecer ao Benfica. Foi campeão no ano passado, trucidou a concorrência, passou um rolo compressor por cima de muitos adversários, sem dar espaço para reacção, caminhou triunfante. Agora as coisas não resultam.

Os que antes estavam subjugados, colocados debaixo da força que o Benfica possuía, ficam agora por cima. É estranho, quase ninguém o esperaria, que um campeão meritório comece a nova temporada a perder. Na Supertaça e nas duas primeiras jornadas do campeonato. As perdas de Di María e Ramires, a explosão em dribles sucessivos e o equilíbrio reinante na equipa, afectaram. O Benfica perdeu-os, nota-se, sente-se e agudiza-se. Jorge Jesus tenta preencher as lacunas, coloca jogadores novos, substitutos, mas nenhum deles produz o rendimento dos outros dois. Porque não há jogadores iguais. No ano passado tudo encaixou com harmonia, sucesso e categoria. Agora custa mais. Para já custou um troféu e seis pontos. O Benfica há-de arrancar, voltar a ganhar, readquir força. Isso não se questiona. E é suportado pela ideia de que o futebol, em pouco tempo, muda tudo.

Vamos a mais um exemplo. Há algumas semanas, não mais do que três, o Benfica estava na linha da frente para o título. Jorge Jesus, pela pré-época realizada, mantinha o estado de graça, pretendendo ser uma confirmação, com estabilidade para os encarnados voltarem a conquistar o título. Agora é diferente. Estamos a vinte e três de Agosto: o Benfica tem duas derrotas no campeonato, está sem pontos, enquanto o FC Porto, o novo dragão de André Villas Boas, antes olhado com desconfiança e, depois, cada vez mais confortável à frente dos portistas, venceu o duelo na Supertaça e lidera com seis pontos. Daqui a algum tempo, porventura, tudo estará mudado. Mais uma vez. Daí que estas análises sejam precoces, pouco fiáveis e, sobretudo, momentênas. Neste momento, e sublinhe-se o neste momento, o FC Porto está melhor e promete crescer e o Benfica, antes de mais, procura erguer-se afastando os azares.

Ora, azares. Não está escrito no início, porque não veio ao assunto, mas vem agora: o futebol é um jogo de sorte e azar. Por muito que defendam que não. Sem sorte, sem aquela pontinha de felicidade, nenhuma equipa chega ao sucesso. Por isso lhe chamam estrelinha de campeão. É isso que o Benfica não tem tido nesta primeira fase da época. Mas tem-lhe sobrado azar. Na baliza, principalmente. Não há como não o referir, mesmo sendo um assunto recorrente, batido como poucos. Roberto Jiménez é um caso sério de estudo. Pelo preço que o Benfica pagou por ele, pelas qualidades que demonstrou no Saragoça, mesmo sendo dimensões incomparáveis, por somar erros no Benfica. Está nervoso, treme por tudo quanto é sítio, não transmite confiança - e aqui, isto da confiança, é recíproco: a equipa não tem em Roberto, Roberto não tem na equipa. Jorge Jesus insiste que terá sucesso. A aposta está cada vez mais perdida.

O Benfica tem errado: a defesa não é mandona como antes, o meio-campo não cria tantas rupturas, o ataque, antes letal com Cardozo e Saviola, esbarra nos adversários. Só que Roberto Jiménez é o guarda-redes. Por isso, os tais erros de que se falava acima, são muito mais notados. Não pode perder a bola, não a pode colocar mal, não pode confiar no golpe de vista. Roberto está demasiado verde, com muitos tremeliques e falhas, para assumir a baliza de um clube que luta pelo título. Pode vir a ser um fenómeno. Agora não é. E vem-nos à memória uma frase batida: hoje é o primeiro dia do resto da tua vida. No caso do Benfica, na baliza, deverá ser mesmo. Jorge Jesus, para não arriscar demasiado a carreira do clube, terá de tomar a melhor decisão em prol da equipa. Percebe-se que a dispensa de Quim correu mal - aposto que, não fosse a lesão, estaria às gargalhadas. Quim não era excelente mas era bom.

As derrotas acentuam os erros. Por exemplo: ontem, no Dragão, Radamel Falcao, isolado perante o guarda-redes, desperdiçou dois golos feitos. Um com o pé, o outro com a cabeça. Só que, por essa altura, já marcara um, o primeiro, antes de Belluschi tranquilizar a equipa. Logo após as perdas, voltou a marcar. Bisou, o FC Porto ganhou e o dragão caminha alegre: está no topo, continua a crescer e os rivais perdem pontos. Falcao é um avançado de enorme qualidade. Mas também falha. Poderia ter sido fatal. Não foi e Radamel sorri. As vitórias trazem confiança, alegria, vontade de querer sempre mais e mais. As derrotas abalam, podem originar mais desaires, acentuam a descrença e a incapacidade. Roberto vive isso. Porque o Benfica, para já, também. Tal como o Sporting, por exemplo, que joga sob brasas. Aí os erros estão mais próximos de acontecer e são mais difícies de esconder. A melhor forma de ter sucesso é... ganhar sempre.