quinta-feira, 17 de junho de 2010

Portugal em Mundiais: 2006 - Alemanha

No seguimento do fracasso na Ásia, revivendo o capítulo negro de Saltillo, foi colocada a possibilidade de que, tal como acontecera em consequência do Mundial de 1986, a estrutura portuguesa abalasse. A selecção nacional corria o risco de ver voltar a iniciar-se um período de ausência em Campeonatos do Mundo. Entre o México e a Ásia passaram dezasseis anos, o correspondente a quatro edições da prova maior de selecções. Desta vez, contudo, apesar da debandada, Gilberto Madail apostou forte na revitalização de Portugal, procurando sair rapidamente do estado caótico em que a selecção entrara para a relançar para o topo mundial. Chegou a acordo com Luiz Filipe Scolari, o treinador brasileiro que levara o escrete à conquista do Campeonato do Mundo da Coreia do Sul e do Japão, para o conseguir. António Oliveira saíra pela porta dos fundos, desgastado, culpabilizado e crucificado pelos adeptos.

As mudanças não ficaram pelo seleccionador. Atacaram os jogadores. João Pinto foi um deles. Talvez, por tudo aquilo que o envolveu, o alvo principal da ira dos portugueses. O atacante do Sporting, fundamental na conquista do título leonino, prejudicara Portugal com uma entrada irreflectiva, bem traduzida num cartão vermelho, e deixou os adeptos corados de vergonha quando agrediu, sem pensar, o árbitro Ángel Sánchez. Acabou suspenso por seis meses. No entanto, desde logo se percebeu que não mais voltaria a vestir a camisola da selecção portuguesa. Assinara a sua sentença de morte. Jorge Costa, reconhecendo que o seu tempo na selecção nacional terminara, decidiu, por iniciativa própria, colocar um ponto final nesse capítulo da sua vida. Abel Xavier, Paulo Sousa, Sérgio Conceição, Paulo Bento, Pedro Barbosa e Capucho também saíram. Foi o fim de uma geração. Também Vítor Baía!...

Réu para a maioria dos adeptos, mais um responsável ou, pelo contrário, um dos que melhor esteve na opinião de outros. A opção de António Oliveira ao entregar a baliza a Vítor Baía nunca reuniu consenso. Nem poderia. Se por um lado estava toda a qualidade e experiência do guarda-redes do FC Porto, Ricardo tinha consigo o facto de ser um jovem em emergência e ter jogado, por lesão de Baía, grande parte da fase de apuramento para o Mundial da Ásia. Com Scolari tudo mudaria. O brasileiro sempre fora conhecido como um treinador disciplinado, rígido, duro. Daí lhe chamarem Sargentão. No Brasil, mesmo tendo sido campeão mundial no Japão, não se livrou de guerrilhas, de críticas, da oposição de alguns adeptos brasileiros. Até porque deixara Romário, uma figura, de fora. Para unir o grupo, para formar uma equipa coesa, não olharia a meios. Por isso rumou a Portugal. Vítor Baía foi o Romário português.

Desde que chegou, em 2003, Luiz Filipe Scolari nunca convocou Vítor Baía. Encontrou, por isso, uma forte oposição por parte do FC Porto e, concretamente, de Jorge Nuno Pinto da Costa. Nunca morreram de amores um pelo outro. A verdade é que mesmo quando Baía voltou a emancipar-se, conseguir o melhor momento da sua carreira e ser considerado o melhor guarda-redes da Europa, após os dragões terem conquistado a Liga dos Campeões e antes do Europeu de 2004, Scolari o convocou. Preferiu sempre Ricardo. E Quim para segunda opção. Com isso, apesar de toda a polémica criada, Scolari juntou o povo português. Portugal rodeou a selecção, apoiou-a, tentou empurrá-la para a frente. Em 2004, no Euro, a selecção nacional chegou à final. Perdeu na final, na Luz, frente à Grécia. O mote, contudo, estava dado para o Mundial. Ou seria uma repetição do que acontecera depois de 1984 e 2000?

Entretanto, com o passar dos anos, Portugal ganhara estatuto. Conseguira o apuramento para o Mundial 2006, num grupo frágil (sendo Eslováquia e Rússia os adversários mais fortes), com um registo imaculado de nove vitórias e três empates. Com Scolari, por aquilo que demonstrou no Euro 2004, a selecção portuguesa havia sofrido uma transfiguração. Chegou, por isso, em força ao Mundial da Alemanha. Favorito? Não. Ainda seria cedo para tal, mas com ambição, querer e caractér poderia chegar longe e conseguir uma participação, talvez, como a de 1966. Inserida, como cabeça-de-série, no grupo de Angola, México e Irão, a selecção portuguesa ultrapassou, conseguindo os nove pontos em disputa, chegar aos oitavos-de-final do Mundial. Ultrapassar a fase de grupos, como fizera com relativa facilidade, era o mínimo exigível. Seguia-se a Holanda, que Portugal vencera em 2004. Foi o primeiro mata-mata na Alemanha.

Nas eliminatórias, bem diferente da fase de grupos, não há espaço para corrigir um eventual mau resultado. É matar ou morrer. Com a Holanda, o jogo foi duro, viril e entrou, mesmo, num campo de agressividade. Foi uma verdadeira luta. Valentin Ivanov, o árbitro russo, mostrou dezasseis cartões amarelos e, por acumulação, quatro vermelhos. Costinha, Deco, Giovanni van Bronckhorst e Khalid Boulahrouz - numa entrada assassina, canibal, sobre Ronaldo - foram expulsos pelo árbitro. Nunca antes se vira um jogo tão indisciplinado num Campeonato do Mundo. Portugal conseguiu, todavia, vencer. Com um golo de Maniche, oportuno, que bateu Van der Sar. A equipa nacional saiu feliz da batalha (literalmente!) de Nuremberga. Os quartos-de-final colocaram a Inglaterra, velha conhecida do Europeu, no caminho. Era a oportunidade britânica para se vingarem da eliminação no desempate por grandes penalidades. Onde Ricardo sobressaíra.

Os papéis haviam sido invertidos. Antes, com António Oliveira, Vítor Baía, na visão da maioria dos adeptos portugueses, ocupara um lugar que deveria estar reservado a Ricardo. Agora, contudo, era diferente: Ricardo estava sólido, de pedra e cal, na baliza, porque Scolari esquecera Baía, apesar de o noventa e nove atravessar uma assombrosa fase da sua carreira e de ter voltado, quando seria pouco provável, a um patamar de excelência. Ricardo teve sempre de lidar com a pressão, com o facto de ter o fantasma de Baía e de não poder deslizar por ter o guarda-redes portista na sombra. No Euro 2004, no penalty que defendeu sem luvas e que marcou depois, ganhou protagonismo. Na Alemanha, em 2006, repetiria a saga. Portugal empatou a zero com os ingleses. Nos noventa minutos e no prolongamento. Ricardo defendeu, depois, três pontapés dos ingleses. E Ronaldo marcou o golo decisivo. Goodbye, England!

Deixando pelo caminho a Holanda e a Inglaterra, repetindo 2004 mas numa escala bem superior, Portugal limpou a má imagem que deixara na Coreia e no Japão. Todos os portugueses, unidos em torno de um sonho, pediram audácia e coragem para que o feito dos Magriços, quarenta anos depois, fosse alcançado. Havia que derrotar a França. A besta negra do Euro 2000, onde uma grande penalidade de Zidane, depois da maldita mão na bola de Abel Xavier, matou o sonho da selecção portuguesa. No Allianz Arena, em Munique, os franceses voltaram a levar a melhor. Tal como em 2000: de grande penalidade, polémica, marcada por Zinedine Zidane. Portugal, apesar de toda a valentia que demonstrara até então, perdeu perante a maior matreirice, experiência e cinismo dos gauleses. Raymond Domenech levou a a melhor. Ficou a rir-se. Não dava para fazer melhor, certo, mas dava para igualar os Magriços. Era esse o novo objectivo luso.

Desolada por não ter atingido a final do Mundial, alargando os horizontes depois de uma extraordinária prestação no Europeu do qual fora anfitrião - embora se tenha deixado surpreender pela Grécia na final -, Portugal poderia conquistar o terceiro lugar no Campeonato do Mundo. Imitaria os Magriços de Inglaterra. Teria que vencer, para isso, a Alemanha, comandada por Jürgen Klinsmann, que falhara a presença na final do seu Mundial - o primeiro que realizou como país unificado. Falhou. Portugal, abatido pela derrota com a França e desgastado pelo percurso que efectuara, nunca se encontrou no jogo e ficou à mercê dos alemães, dos anfitriões, que venceram por 3-1 - Schweinsteiger marcou dois golos, Petit contribuiu com um auto-golo e o tento de Nuno Gomes, já em cima do final, serviu somente para atenuar a derrota. Foi a melhor participação pós-1966. E também o último Mundial de Figo, Rui Costa e Pauleta. Mais três símbolos de uma época dourada.


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