sábado, 12 de junho de 2010

Portugal em Mundiais: 1986 - México

O Mundial de Inglaterra fora já há vinte anos. Depois do brilharete alcançado em solo britânico, com uma caminhada fulgurante apenas travada pela anfitriã e por um indesejado Bobby Charlton, não mais Portugal chegara a um Campeonato do Mundo. A presença em 1966 poderia ter sido o mote para a emergência de uma nova potência mundial. Não foi. Tratou-se apenas de um oásis, um acontecimento isolado, algo incomum. A selecção portuguesa, contudo, reaparecera em 1984, em França, no Europeu. Conseguiu uma boa prestação, tendo caído, nas meias-finais, perante os gauleses de Michel Platini. Tal como em 1966, foi o país organizador da prova a levar a melhor sobre os portugueses. Parecia sina. Seja como for, Portugal apurou-se para o Mundial do México, em 1986, quebrando o tal hiato de vinte anos. Ou, traduzindo isso, de quatro Mundiais. Foi um caminho sofrido, lutado e turbulento. Mas conseguido. In extremis.

Apesar do que de bom havia demonstrado em França, no Europeu, a selecção portuguesa somente carimbou o passaporte para o México no último jogo da fase de apuramento. Tinha como adversários a República Federal Alemã, a Checoslováquia, a Suécia e Malta.
Depois de uma derrota em Praga, ante a selecção checoslovaca, as esperanças portuguesas esfumaram-se. Só uma vitória em Estugarda, ante o papão alemão, daria o apuramento. A RFA, a Alemanha de Rudi Völler ou Karl-Heinz Rummenigge, não perdia em casa, contando para jogos de qualificação, desde 1945. Se o caso de Portugal já era grave, assim complicava-se ao extremo. Só que o apuramento foi alcançado. Carlos Manuel assinou o bilhete. Ficou rodeado por três alemães, levantou a cabeça, viu a posição de Harald Schumacher e rematou com força. Naquela trajectória ia o sonho de milhões de portugueses. Foi golo. Hola, Saltillo!

Saltillo é uma cidade mexicana, capital do Coahuila. Foi o local eleito pelos responsáveis portugueses para o estágio da selecção, então comandada por José Torres, um dos Magriços, na antecâmara do início da maior competição mundial. O sorteio, mesmo tendo colocado a Inglaterra de Bobby Robson e Gary Lineker no caminho, não foi mau para os portugueses: Marrocos e Polónia, os outros dois adversários, não fizeram tremer. Deram alento. Seria possível repetir o feito de 1966. Assim que assentou de armas e bagagens no México, Portugal começou a viver as primeiras anomalias. António Veloso, capitão e lateral do Benfica, um dos eleitos de José Torres para representar a selecção nacional, acusara positivo num teste anti-doping. Terá sido esse o primeiro duro golpe na comitiva portuguesa. A tensão instalou-se. Todos acreditavam que havia algum erro. E Veloso, soube-se entretanto, estava mesmo inocente.

Inabituada a estar presente em grandes competições como um Campeonato do Mundo, a Federação Portuguesa de Futebol falhou no planeamento do estágio. Muito mudara, muito evoluíra, desde a primeira e última participação nacional. O dinamismo que se pedia na Europa, aumentando a necessidade de pormenorização e minúcia em todos os detalhes, não foi acompanhado pelos responsáveis portugueses. Os jogadores não foram resguardados. Na viagem para o México, antes de se fixar em Saltillo, a comitiva portuguesa fez escala em Frankfurt, na Alemanha, e em Miami, nos Estados Unidos. Desgastou-se antes do tempo. Aí se percebe que faltou profissionalismo e imperou o amadorismo. Seria fatal. As condições que os jogadores dispuseram na cidade mexicana, onde também se encontrava a Inglaterra, estavam longe de serem as ideais para preparar uma prova de tamanha importância.

Saltillo aparece como um lugar obscuro, boémio e nada condizente com as exigências que deveriam estar presentes na preparação de uma selecção para o Mundial. Faltou autoridade, faltaram regras. A cidade mexicana, para além de oferecer aos jogadores tudo aquilo que não poderiam ter enquanto profissionais, não se encontrava preparada para servir de fortaleza, de quartel-general, para a armada lusitana. Os campos não eram adequados, foram realizados jogos de preparação frente a equipas locais, tudo foi levado à base do improviso. Portugal deixou-se ir na onda. O clima no balneário da selecção, antes tranquilo, ganhou hostilidade. Os jogadores revoltaram-se, reclamaram um aumento dos seus prémios, Silva Resende, o presidente da Federação, foi passando entre os pingos de chuva. Não mudou uma vírgula. A selecção era uma bomba pronta a explodir. Foi em 25 de Maio: greve dos jogadores!

Com discernimento nulo, envolta num mar de polémica de aventuras nocturnas e completo alheamento da actividade profissional, a participação de Portugal no México começara mal. Tudo correra ao contrário. Sem rei nem roque, a selecção portuguesa enfrentou, a 3 de Junho de 1986, a Inglaterra. Era a oportunidade de atar as pontas soltas. Portugal começaria onde ficara anteriormente. Bamos lá cambada! Naquele grupo F onde os portugueses estavam inseridos, apenas a Inglaterra poderia trazer, à partida, dores de cabeça. Carlos Manuel, médio do Benfica, decidira, com um golo de se lhe tirar o sombrero, que Portugal haveria de estar presente na fase final do Campeonato do Mundo de 1986. Fez por o justificar. Com um golo seu, a selecção portuguesa bateu a Inglaterra. Apesar de tudo o que de negro ficara para trás, tudo o que envolvera a comitiva nacional, Portugal começou bem. Ante o mais forte rival.

A verdade é que quando algo de mau acontece, preparem-se, porque tudo vem por acréscimo. Parece um ciclo vicioso a que ninguém consegue pôr fim. Num treino, num dos ervados de Saltillo, chamemo-lhes assim, Manuel Bento, o guarda-redes destemido e capitão da selecção nacional, partiu uma perna. Mais um tiro num corpo, por si só, frágil. Vítor Damas, o guarda-redes suplente, era titular no Sporting e tinha a experiência de quem está a caminho dos trinta e nove anos. Mas não estava ainda preparado para se assumir num momento tão delicado. A contestação, as profundas divergências entre jogadores e responsáveis federativos, mantinham-se como antes. Num momento crucial, entre o jogo com a Inglaterra e o segundo com a Polónia, voltou a haver greve aos treinos. Silva Resende estava como pedra. Portugal era quem ficava a perder. A derrota frente aos polacos, por 1-0, confirmou-o.

Depois de uma entrada surpreende e de uma derrota, também surpreendente, Portugal precisava de um ponto para deixar para trás a fase de grupos e chegar aos oitavos-de-final. A mais de mil e quinhentos metros de altitude, em Guadalajara, a selecção nacional defrontou Marrocos. Tinha, então, todas as esperanças para seguir em frente. Legítimas, apesar dos dois empates dos marroquinos, ambos a zero, nos anteriores jogos. Abderrazad Khairi, avançado do FAR Rabat de Casablanca, marcou dois golos, Krimau fez mais um. Marrocos emergia num grupo em que a Inglaterra escorregara e Portugal desiludira. Diamantino, avançado benfiquista nos seus vinte e sete anos, reduziu. O resultado mas não a humilhação nacional. Portugal regressou a casa. Sem honra nem glória: até a vitória sobre os ingleses ficara apagada. Após o México, a mudança foi profunda na selecção. Saltillo ficará para sempre como uma página negra.

DA INGLATERRA À ALEMANHA é um espaço onde serão destacadas as participações portuguesas em Mundiais

2 comentários:

JornalSóDesporto disse...

Bom Artigo.

Mattos..paixaodabola.blogspot.com disse...

Esse foi um Mundial para Portugal esquecer ou...lembrar para sempre , tantos foram os casos e a vergonha instalada.....
Ainda bem que que esses tempos já passaram...