sexta-feira, 11 de junho de 2010

Portugal em Mundiais: 1966 - Inglaterra

Número treze nas costas. Mas não de azar. Nada disso. Ali havia talento, genialidade pura, todo o sangue de um avançado temível que se emancipava e se mostrava a todo o universo. Jogava por Portugal mas nascera em Lourenço Marques, actualmente Maputo, no seio de Moçambique. Representava a metrópole portuguesa. Eusébio da Silva Ferreira era o nome daquele jovem avançado, vinte e quatro anos cumpridos, uma garra incrível, força da natureza, amigo íntimo da bola e dos golos. Correndo como uma gazela, levantando a cabeça, rematando fortíssimo para marcar. Sempre fora assim. Ajudara o Benfica a rumar à glória e estava, agora, a liderar uma selecção nacional que nunca estivera presente num Campeonato do Mundo de futebol. Portugal chegou a Inglaterra, em 1966, ser saber muito bem naquilo em que estava. Era um sonho que se cumpria. Checoslováquia, Turquia e Roménia tinham ficado para trás.

Chamaram àquela selecção portuguesa, comandada pelo brasileiro Otto Glória, equipa dos Magriços. A alcunha pegou e ficou marcada para a eternidade. Os Lusíadas, obra-prima de Luís de Camões, obra-prima da literatura portuguesa, serviram de fonte inspiradora. Aí se contava a história de doze cavaleiros que haviam partido para Inglaterra, procurando defender a honra de doze damas britânicas. Neles estavam os verdadeiros Magriços. Camões exaltou a bravura e a coragem dos portugueses. E foi por isso que a alcunha se adaptou tão bem. A selecção portuguesa, com Eusébio, Coluna ou Simões, partiu para Inglaterra como quem parte à descoberta de um mundo novo. Nunca se encontrara naquela situação, não tinha os holofotes sobre si, pouca importância possuia perante um Brasil de Pelé, uma Inglaterra de Charlton, uma RFA de Beckenbauer ou, até, uma URSS de Yashin.

O grupo C do Mundial de 1966, o primeiro e único disputado em solo britânico, lá tinha Portugal. Acompanhado de Hungria, Bulgária e Brasil, o todo-poderoso bicampeão do Mundo na Suécia e no Chile.
Passavam dois. Seria sempre difícil, ainda para mais sendo Portugal um estreante. As surpresas chegaram. A triplicar. Portugal puxou o orgulho, aproveitou o desconhecimento para ser feliz, ganhou onde poucos esperariam. Começou por bater, 3-1, uma Hungria, já sem Férenc Puskas, entretanto rumado a Espanha, mas com Florian Albert no papel de maior estrela. Em Old Trafford, casa de Bobby Charlton, o jogo começou mal. Uma equipa sofrer aos dois minutos, embora com muitos jogadores habituados a triunfar na Europa, pelo Benfica, mas inabituada a um Mundial, poderia ter sido fatal. Não foi. José Augusto e Torres deram a volta. O estádio do Manchester United voltaria a ser um bom palco: 3-0 à Bulgária.

Num tempo em que a vitória valia dois pontos, Portugal somara quatro. Tinha o Brasil pela frente, em Goodison Park. Era o verdadeiro teste de fogo. Superado com mestria. Os brasileiros, bicampeões mundiais, ficaram pelo caminho. A vitória portuguesa, curiosamente com um treinador brasileiro ao leme, ficou sentenciada com golos de António Simões e dois de Eusébio. Pelé, a maior estrela em todo o planeta, jogara nos limites da disponibilidade. Deu tudo, mesmo lesionado, mas foi inglório. Os portugueses foram acusados de jogo sujo e violento. Sem dar relevo a isso, a verdade é que Eusébio começava também a despontar, com a camisola da selecção nacional, em Inglaterra. A fase de grupos foi ultrapassada com êxito por Portugal. Nove golos marcados e apenas dois sofridos, nos três jogos disputados, é um registo que comprova a qualidade que reinava entre os portugueses.

A Coreia do Norte esperava nos quartos-de-final. Era, também ela, uma surpresa. Frente a Portugal, teve um início de jogo sufocante, avassalador, diabólico. Começou no primeiro minuto e parou ao vigésimo quinto. Nesse curto espaço de tempo, em pouco mais do que um quarto do tempo total da partida, marcou três golos. Atarantado, atordido e sobressaltado, Portugal ainda não se encontrara e já sofrera mais golos do que na fase de grupos. Precisava de reagir rapidamente. Era necessário dar continuidade ao que de tão bom fizera, não deitar tudo a perder. Na cidade dos Beatles, onde há seis anos nascera o grupo de rock, Eusébio começou o seu espectáculo. Não gostou de ver os festejos norte-coreanos. Dois minutos depois do terceiro golo, reduziu. A esperança, afinal, ainda lá estava. É sempre a última a morrer. Antes do intervalo, encurtou ainda mais a distância. A Coreia estava ao alcance.

O ritmo não podia baixar. Portugal reduzira mas ainda estava atrasado no resultado. Olhando para o marcador, no Goodison Park, a Coreia do Norte levava vantagem. Não seria por muito mais tempo. Eusébio da Silva Ferreira, o tal número treze, já fora o melhor artilheiro do campeonato nacional e da Taça dos Campeões Europeus, ao serviço do Benfica, nesse ano de 1966. Pretendia deixar a sua marca, tornando-se imortal, no Mundial. O primeiro em que estava com a selecção portuguesa. Precisou de três minutos para completar o poker, quatro golos, dois deles de grande penalidade, que colocou Portugal à frente da Coreia do Norte. Aos cinquenta e nove minutos, depois de empatar há três, os Magriços conseguiram a reviravolta. Épica. Para fechar a partida com chave de ouro, deitando para trás das costas aquele início atribulado, José Augusto fixou o resultado: 5-3. Venha o próximo!

Meias-finais do Campeonato do Mundo de 1966. Pela primeira vez em prova, Portugal surpreendia. Tinha, agora, as atenções voltadas para si. Eusébio, a estrela, fazia despertar cada vez maior cobiça. Pela frente, no mítico Wembley, aparecia a Inglaterra. Era a anfitriã e queria ganhar, nada de servir de cicerone para a real emergência de uma selecção que se destacara até aí. Portugal fora bom, sim. Inglaterra queria travar e cavalgar para a vitória. Bobby Charlton sempre pareceu presdestinado ao sucesso. Em 1958, num trágico acidente em Munique, oito seus companheiros no Manchester United perderam a vida. Bobby sobreviveu. Ganhou esse duelo à má fortuna. O seu momento de glória estava prestes a chegar, após se ter mostrado, em 1962, no Chile. Estava para Inglaterra do mesmo modo que Eusébio estava para Portugal. Ambos ambicionavam o troféu. Só um o poderia ter.

Bobby Charlton não iniciara bem o Mundial 1966. Fê-lo em crescendo. Começou, com o decorrer dos jogos, a melhorar. Chegou à partida com Portugal na plenitude. Pronto a explodir, driblando sucessivamente, para destruir a equipa portuguesa e catapultar a Inglaterra para a final. No jogo com os Magriços marcou por duas vezes. Aos trinta e oitenta minutos. Já se vira Portugal recuperar de uma desvantagem de três golos. Não há jogos iguais, a surpresa deixara de o ser e os adversários olhavam os portugueses doutra forma. Eusébio, de novo ele, ainda reduziu, dois minutos depois do bis de Charlton. Mas foi tarde. O apito final colocou a Inglaterra na final do seu Mundial. Eusébio chorou copiosamente. Queria mais, merecia mais, Portugal tinha potencial para chegar além das meias-finais. Só que não dera para a final, a Inglaterra havia sido forte e eficaz para alcançar o seu objectivo. Restava terminar em terceiro.

Para um estreante, uma selecção sem a força do Brasil ou da Inglaterra, ficar com a medalha de bronze seria motivo de grande felicidade e honra. Para isso havia que vencer a União Soviética, que caíra aos pés da Alemanha Ocidental. Eusébio da Silva Ferreira contava com oito golos marcados. Já batera o brasileiro Manga e o inglês Gordon Banks. Agora pela frente tinha Lev Yashin, o Aranha Negra, um monstro das balizas já com a veterania de quarenta anos completados. De grande penalidade, a quarta de que dispôs no torneio, o Rei português enganou Yashin. Ao seu jeito, com toda a força no pé direito, furou a rede. Os soviéticos, situados logo atrás das principais potências mundiais, empataram por Malofeev. Mas Portugal merecia terminar no pódio. A caminhada dos Magriços, brilhante e histórica, culminou mesmo no terceiro lugar. Um golo de José Torres foi decisivo. Marcou a História. Irrepetível até hoje.

DA INGLATERRA À ALEMANHA é um espaço onde serão destacadas as participações portuguesas em Mundiais