domingo, 30 de maio de 2010

Opinião: Avé César e partamos para o ataque noutro local


Vamos directos ao assunto sem criar cá rodeios. As palavras intermédias ficam à porta: José Mourinho tem uma estrelinha em serviço permanente. Tem que ter. Ganha por onde passa, pode parecer mais débil em alguns momentos, mas, quando tem que o fazer, salta para a glória. É uma espécie de Rei Midas dos tempos modernos. Mourinho, onde está, é bem-sucedido. Pode não ser sempre, sim, e pode não ganhar todas as provas. Mas nunca um clube ficou desiludido por o contratar. Pelo contrário. Todos eles lamentam, com um estrangulador aperto no coração e a lágrima no cantinho do olho, como que anunciando uma desgraça próxima. Para além das tácticas, das observações, dos vídeos e do estudo exaustivo há a tal estrelinha. A relação com Mourinho é constante, eterna, duradoura. Essa protecção é a maior causa de ódio nos rivais.

O futebol é injusto por natureza. Alguém que hoje é um herói, amanhã não serve e tem as malinhas à porta para se ir embora. Os treinadores são um exemplo. Alguns trabalham, treinam, querem aprender. Sobem na carreira, ultrapassam desafios, têm a glória na ponta do nariz. E é precisamente nesse momento que o céu lhes cai em cima da cabeça. Não há um Obélix ou um Asterix para o impedir. São os chamados pé-frio. Lembra-se de alguém assim? Não? Sporting, 2005, equipa com bom futebol, Taça UEFA e campeonato perdidos em cima da meta...? José Peseiro, ele mesmo. Um bom treinador a quem falta a estrelinha para chegar mais alto. É a outra parte fundamental que eleva à imortalidade. Mourinho junta tudo isso. Por isso é que é bom e tem o que quer. Para uns a vida é cor-de-rosa. Para outros é frustrante. Some guys have all the luck, some guys have all the pain.

A sorte é um elemento indispensável. No futebol e em tudo o resto. Definir o trabalho de José Mourinho como mera consequência dessa estrelinha de felicidade, para além de ser a prova final do cepticismo extremo, é redutor e injusto. Claro que se não estivesse lá presente nunca Mou poderia ser feliz. Tal como precisa dos melhores jogadores. É evidente, tão evidente como quando os soldados da corporação de monsieur Jacques de La Palice afirmaram que se não estivesse morto seria capaz de fazer inveja, que um treinador nada ganha sozinho. E o contrário também se aplica. É essa relação de complementaridade que forma as grandes equipas. Mas que argumentos apresentarão os que defendem que Mourinho é sobrevalorizado? Que argumentos perante a glória do FC Porto, o título após meio século de jejum no Chelsea e o triplete no Inter?

O Internazionale de Milano venceu a Liga dos Campeões. Quando Javier Zanetti, o capitão incansável, ergueu o troféu ficou marcada a História. Os nerazzurros, muito mais do que a felicidade de triunfarem na principal prova europeia de clubes, o objectivo supremo de qualquer tubarão, pararam um período de quarenta e cinco anos sem vencer na Europa. Sendo pragmáticos, sendo defensivos, sendo anti-espectáculo nalguns momentos. Mas cada um joga com o que há. O Inter tem um plantel bem abaixo de Real Madrid, Barcelona ou Manchester United. Mourinho soube adaptar-se, moldar a equipa e prepará-la para a luta. Venceu. Usando os seus métodos. Não foram os mais bonitos, foram os que deram sucesso. Não foi sempre assim que os italianos, no seu cinismo e manha, jogaram? De que se queixam agora?

Ao olhar para José Mourinho, naquela sua pose de durão e de comandante máximo, vê-se que nunca está contente com o que tem. Os objectivos vão para além do óbvio, não se restringem a um país ou a um troféu. A sede de vitórias, de glória, de golpes em que tanto o critica, é o que move. Procurará sempre ser melhor. Ganhou no FC Porto. Nunca poderia ter ficado por aí. Quis ganhar noutros locais. Assumiu o Chelsea. Que não era bem aquilo que é hoje: os milhões investidos por Abramovich não tinham dado o campeonato. Mourinho, cinquenta anos volvidos, conseguiu. E renovou-o logo após. O desafio inglês, arriscado mas cumprido, ficou para trás. Chegou a Itália. Teve de viver num clima de hostilidade permanente, numa trincheira onde se meteu com os seus jogadores e apoiantes. Os outros ficaram para trás. Sucesso renovado.

Quando chegou ao Internazionale, substituindo o tricampeão Roberto Mancini, a Liga dos Campeões foi colocada no caminho de Mourinho. Era ganhá-la. Para o campeonato, para dominar internamente, estava lá Mancini e Massimo Moratti não teria necessidade de gastar dinheiro. Na primeira época, o Inter foi campeão. Na Europa mostrou debilidades e ficou-se pelos oitavos-de-final - O que é isto, Mou?. Tudo se resume a uma questão de hábito: Mourinho costuma ganhar à primeira, surpreender até, não ficar pelo mínimo. Nesta segunda época em Itália, lutando contra tudo e mais alguma coisa, sem possuir os recursos de outros, o Inter venceu a Liga dos Campeões. Era esse o objectivo, não era? Pois bem, está cumprido. Agora é hora de sair para vencer noutro lado. Resta Espanha. É aí que estará para o ano. No Real Madrid.

Florentino Pérez, o homem que puxa dos cheques milionários como quem puxa do lenço para assoar o nariz, reuniu os melhores jogadores do planeta no Santiago Bernabéu. Faltava-lhe um treinador à altura. Um estratega e, mais do que isso, um condutor de homens. Alguém com o ego maior do que todos os outros, que não deixe que os jogadores se sintam acima do clube. Junta-se a fome à vontade de comer: o Real Madrid quer títulos, Mourinho quer mais glória para ser imortal. Será mais um desafio, este maior do que todos, porque é necessário ganhar e dar espectáculo para satisfazer a plateia de Madrid. Lutando, dia-a-dia, com o Barcelona. Mourinho encara-o de frente, promete trabalhar, trabalhar e trabalhar mais um bocadinho. Estará, mais uma vez, posto à prova. Tudo para mudar o paradigma instalado. Work for the working man.


2 comentários:

Mattos..paixaodabola.blogspot.com disse...

Não tenham a mais pequena dúvida...Mourinho vai trinfar na praça Madrilena, porque é realmente especial e alia ao seu enorme talento inapto para condução de grupos de trabalho a sorte que será ser necessária para se vencer no desporto como na vida.
Mourinho é diferente e para bem melhor, ninguêm fica indeferente, ou se gosta ou se odeia mas....marca posição e acumula conquistas, certamente já tem lugar na história no futebol mundial.....

Jornal Só Desporto disse...

Grande Crónica.