domingo, 30 de maio de 2010

Um caminho de nomes que culmina em André Villas Boas

André Villas Boas será, ao que tudo indica, o novo treinador do FC Porto. O mais jovem treinador do campeonato português, com apenas trinta e dois anos, é o escolhido de Pinto da Costa e deverá, inclusivamente, ser apresentado nos próximos dias. A confirmação da contratação de Villas Boas representará uma verdadeira ruptura com o passado recente dos dragões. A Jesualdo Ferreira, um treinador experiente e calejado no futebol português, seguir-se-á o benjamim dos técnicos da anterior edição do principal campeonato nacional, somente com carreira iniciada em Outubro, quando lhe foi confiada a missão de retirar a Académica dos últimos lugares. Mesmo com alguns sobressaltos, depois de uma fase ascendente, o objectivo foi cumprido. O Sporting, antes de Carlos Carvalhal, manifestara interesse no jovem Villas Boas. Agora, é a vez do FC Porto. Para o técnico definitivamente provar o que vale.

Paulo Bento foi um dos primeiros nomes a ser referido para a sucessão de Jesualdo Ferreira. O ex-treinador do Sporting, que quebrou o seu vínculo aos leões em Novembro passado, apareceu, logo que começaram a surgir os primeiros sinais de que Jesualdo não continuaria no Dragão, conotado com o FC Porto. Bento é um treinador que acumulou experiência nos quatro anos em que esteve em Alvalade ao comando da equipa principal, foi o lançador de jovens que actualmente estão perfeitamente consolidados, tanto no Sporting como na selecção nacional, e teve um trabalho reconhecidamente positivo, apesar de todas as dificuldades que, a cada temporada, assolaram o clube leonino. Acresce ainda que Paulo Bento tem uma postura ambiciosa, de querer e garra. O seu nome, contudo, foi perdendo força com o tempo.

Também Domingos Paciência emergiu como um dos candidatos ao comando do FC Porto. O actual técnico do Sp.Braga, um dos responsáveis máximos pela época de sucesso dos bracarenses no campeonato nacional, não parece, contudo, ainda reunir todas as condições para dar o salto na sua carreira como treinador e regressar ao seu clube de sempre, onde se formou e ganhou prestígio como jogador. Além disso, António Salvador, presidente do clube minhoto, manifestou, desde logo, vontade em manter Domingos no comando, recusando-se a perder, depois de Jorge Jesus na época passada, o treinador para um grande - há, todavia, uma cláusula fixada num milhão e duzentos mil euros que, caso fosse suplantada, permitiria ao treinador portuense abandonar o Sp.Braga. Jorge Costa, outro filho do dragão, rapidamente foi colocado de fora.

Nos últimos dias, já com a confirmação do adeus de Jesualdo Ferreira, ganhou relevância o nome de Muricy Ramalho, actualmente no comando do Fluminense, considerado como um dos melhores treinadores brasileiros - assim foi eleito entre 2005 e 2008. Muricy, o eterno rebelde enquanto jogador, agora com cinquenta e quatro anos de idade e perfeitamente consolidado como técnico, demonstra vocação ofensiva, conta com vários títulos no Brasil e é um disciplinador por natureza. Contudo, não está identificado com o futebol europeu, e, exceptuando curtas experiências no México e na China, não acumulou traquejo fora do seu país de origem. Há, porém, a intransigência do Fluminense, pois não quer libertar o seu líder técnico num momento importante do calendário brasileiro. Antes de Muricy Ramalho, já outro brasileiro, Mano Menezes, treinador que devolveu o Corinthians à Série A, havia aparecido na órbita azul.

Façamos, então, um ponto de situação. André Villas Boas, Paulo Bento, Domingos Paciência e, ainda, Jorge Costa foram os primeiros nomes ligados ao FC Porto, na perspectiva de poderem assumir a vaga deixada por Jesualdo Ferreira. Mano Menezes surgiu como primeiro estrangeiro. Por último, foi Muricy Ramalho a ganhar força. A verdade, no entanto, é que para o round final ficaram Villas Boas e Muricy. Neste duelo particular, o treinador português, apesar de ter contra si o pouco tempo de experiência, leva vantagem: é portista, conhece o futebol português, tem uma postura irreverente e ambiciosa, revela um trabalho minucioso e bebeu ensinamentos de mestres como Bobby Robson, com que entrou nas Antas pela primeira vez, e, até Outubro, José Mourinho. Será ele, por certo, o novo timoneiro dos dragões. Mais: o homem com a missão de devolver o título ao FC Porto. Terá de deitar mãos à obra.

Opinião: Avé César e partamos para o ataque noutro local


Vamos directos ao assunto sem criar cá rodeios. As palavras intermédias ficam à porta: José Mourinho tem uma estrelinha em serviço permanente. Tem que ter. Ganha por onde passa, pode parecer mais débil em alguns momentos, mas, quando tem que o fazer, salta para a glória. É uma espécie de Rei Midas dos tempos modernos. Mourinho, onde está, é bem-sucedido. Pode não ser sempre, sim, e pode não ganhar todas as provas. Mas nunca um clube ficou desiludido por o contratar. Pelo contrário. Todos eles lamentam, com um estrangulador aperto no coração e a lágrima no cantinho do olho, como que anunciando uma desgraça próxima. Para além das tácticas, das observações, dos vídeos e do estudo exaustivo há a tal estrelinha. A relação com Mourinho é constante, eterna, duradoura. Essa protecção é a maior causa de ódio nos rivais.

O futebol é injusto por natureza. Alguém que hoje é um herói, amanhã não serve e tem as malinhas à porta para se ir embora. Os treinadores são um exemplo. Alguns trabalham, treinam, querem aprender. Sobem na carreira, ultrapassam desafios, têm a glória na ponta do nariz. E é precisamente nesse momento que o céu lhes cai em cima da cabeça. Não há um Obélix ou um Asterix para o impedir. São os chamados pé-frio. Lembra-se de alguém assim? Não? Sporting, 2005, equipa com bom futebol, Taça UEFA e campeonato perdidos em cima da meta...? José Peseiro, ele mesmo. Um bom treinador a quem falta a estrelinha para chegar mais alto. É a outra parte fundamental que eleva à imortalidade. Mourinho junta tudo isso. Por isso é que é bom e tem o que quer. Para uns a vida é cor-de-rosa. Para outros é frustrante. Some guys have all the luck, some guys have all the pain.

A sorte é um elemento indispensável. No futebol e em tudo o resto. Definir o trabalho de José Mourinho como mera consequência dessa estrelinha de felicidade, para além de ser a prova final do cepticismo extremo, é redutor e injusto. Claro que se não estivesse lá presente nunca Mou poderia ser feliz. Tal como precisa dos melhores jogadores. É evidente, tão evidente como quando os soldados da corporação de monsieur Jacques de La Palice afirmaram que se não estivesse morto seria capaz de fazer inveja, que um treinador nada ganha sozinho. E o contrário também se aplica. É essa relação de complementaridade que forma as grandes equipas. Mas que argumentos apresentarão os que defendem que Mourinho é sobrevalorizado? Que argumentos perante a glória do FC Porto, o título após meio século de jejum no Chelsea e o triplete no Inter?

O Internazionale de Milano venceu a Liga dos Campeões. Quando Javier Zanetti, o capitão incansável, ergueu o troféu ficou marcada a História. Os nerazzurros, muito mais do que a felicidade de triunfarem na principal prova europeia de clubes, o objectivo supremo de qualquer tubarão, pararam um período de quarenta e cinco anos sem vencer na Europa. Sendo pragmáticos, sendo defensivos, sendo anti-espectáculo nalguns momentos. Mas cada um joga com o que há. O Inter tem um plantel bem abaixo de Real Madrid, Barcelona ou Manchester United. Mourinho soube adaptar-se, moldar a equipa e prepará-la para a luta. Venceu. Usando os seus métodos. Não foram os mais bonitos, foram os que deram sucesso. Não foi sempre assim que os italianos, no seu cinismo e manha, jogaram? De que se queixam agora?

Ao olhar para José Mourinho, naquela sua pose de durão e de comandante máximo, vê-se que nunca está contente com o que tem. Os objectivos vão para além do óbvio, não se restringem a um país ou a um troféu. A sede de vitórias, de glória, de golpes em que tanto o critica, é o que move. Procurará sempre ser melhor. Ganhou no FC Porto. Nunca poderia ter ficado por aí. Quis ganhar noutros locais. Assumiu o Chelsea. Que não era bem aquilo que é hoje: os milhões investidos por Abramovich não tinham dado o campeonato. Mourinho, cinquenta anos volvidos, conseguiu. E renovou-o logo após. O desafio inglês, arriscado mas cumprido, ficou para trás. Chegou a Itália. Teve de viver num clima de hostilidade permanente, numa trincheira onde se meteu com os seus jogadores e apoiantes. Os outros ficaram para trás. Sucesso renovado.

Quando chegou ao Internazionale, substituindo o tricampeão Roberto Mancini, a Liga dos Campeões foi colocada no caminho de Mourinho. Era ganhá-la. Para o campeonato, para dominar internamente, estava lá Mancini e Massimo Moratti não teria necessidade de gastar dinheiro. Na primeira época, o Inter foi campeão. Na Europa mostrou debilidades e ficou-se pelos oitavos-de-final - O que é isto, Mou?. Tudo se resume a uma questão de hábito: Mourinho costuma ganhar à primeira, surpreender até, não ficar pelo mínimo. Nesta segunda época em Itália, lutando contra tudo e mais alguma coisa, sem possuir os recursos de outros, o Inter venceu a Liga dos Campeões. Era esse o objectivo, não era? Pois bem, está cumprido. Agora é hora de sair para vencer noutro lado. Resta Espanha. É aí que estará para o ano. No Real Madrid.

Florentino Pérez, o homem que puxa dos cheques milionários como quem puxa do lenço para assoar o nariz, reuniu os melhores jogadores do planeta no Santiago Bernabéu. Faltava-lhe um treinador à altura. Um estratega e, mais do que isso, um condutor de homens. Alguém com o ego maior do que todos os outros, que não deixe que os jogadores se sintam acima do clube. Junta-se a fome à vontade de comer: o Real Madrid quer títulos, Mourinho quer mais glória para ser imortal. Será mais um desafio, este maior do que todos, porque é necessário ganhar e dar espectáculo para satisfazer a plateia de Madrid. Lutando, dia-a-dia, com o Barcelona. Mourinho encara-o de frente, promete trabalhar, trabalhar e trabalhar mais um bocadinho. Estará, mais uma vez, posto à prova. Tudo para mudar o paradigma instalado. Work for the working man.


sexta-feira, 28 de maio de 2010

Jesualdo Ferreira: o ponto final num ciclo positivo

Jesualdo Ferreira rescindiu o seu contrato com o FC Porto. Foi somente a confirmação de um adeus há muito anunciado. O ciclo do professor à frente dos destinos técnicos dos dragões terminara. O futebol é precisamente feito desses períodos curtos, com oscilações, marcados ou por sucesso ou por inglória. Jesualdo, no FC Porto, fez um bom trabalho: em quatro anos, conquistou seis troféus, sendo tricampeão nacional - além de que, com o castigo de Pinto da Costa, foi sempre o rosto mais visível, o escudo onde bateram todas as balas, deveras importante na defesa do seu grupo. Em Portugal, os portistas dominaram, imprimiram o seu ritmo e, com maiores ou menores dificuldades, culminaram as três anteriores épocas com a conquista do campeonato, o objectivo prioritário, a que somaram boas participações, sobretudo na temporada 2008-09, na Liga dos Campeões - ultrapassando sempre a fase de grupos, ou seja, os mínimos exigíveis. Nunca sendo brilhante, o FC Porto, com Jesualdo, ganhou. Até 2010.

Desde que, no Verão de 2006, substituiu Co Adriaanse, Jesualdo Ferreira teve de se adaptar ao mau hábito de, após o final das três temporadas em que os dragões foram campeões sob o seu comando, perder jogadores de referência. Neste período compreendido entre 2006 e 2010, o FC Porto vendeu, por exemplo, Bosingwa, Anderson, Quaresma ou Paulo Assunção. Para atacar as temporadas seguintes com capital e condições suficientes para chegar ao título, aquilo que os responsáveis portistas sempre exigiram, Jesualdo Ferreira teve de apelar ao seu sentido construtivo. Quer-se com isto dizer que, mesmo perdendo pedras fulcrais, o professor viu-se obrigado a refazer a equipa, para, com o seu toque pessoal, a colocar em funcionamento perfeito para voltar a triunfar. Mesmo havendo diferenças na qualidade individual dos jogadores. Foi bem-sucedido.

No início da temporada que agora findou, coroada com a conquista do título por parte do Benfica, o FC Porto voltou, pela enésima vez, a vender jogadores fundamentais para o bom funcionamento da equipa: Lucho González e Lisandro López. El Comandante havia sido sempre utilizado, desde os tempos de Co Adriaanse que se afirmara plenamente ganhando um lugar no onze titular, e manteve ao longo dos anos um registo de qualidade e classe. Com diferenças em relação ao compatriota, Lisandro somente despontou na primeira época de Jesualdo Ferreira. Há dedo do professor na forma como apostou no avançado argentino e, ao contrário de Adriaanse, não precisou de recorrer ao mercado. Essa foi, aliás, uma área onde Jesualdo se revelou importante - um professor na verdadeira acepção da palavra. Jogadores como Cissokho, Fernando, Rolando ou, agora, Guarín são exemplos de crescimento.

O FC Porto de 2009-2010 falhou. Não conquistar o pentacampeonato seria, por si só, negativo para os dragões. Acresce ainda que nem a presença na Liga dos Campeões foi garantida, sendo que o segundo lugar permitiria o acesso às pré-eliminatórias, uma vez que o Sp.Braga, na sua melhor época de sempre, assegurou a segunda posição do pódio final. A concorrência, muitíssimo melhor em relação a épocas anteriores, foi o principal motivo para o fracasso do FC Porto - até porque, em termos estatísticos, os dragões apenas somaram menos dois pontos do que na temporada do tetracampeonato. O facto de Benfica e Sp.Braga se terem apresentado num nível elevado, mantendo uma regularidade invejável desde início, impediu a aproximação do então campeão nacional. Nem a excelente ponta final foi capaz de apagar o mau início.

Para além da melhoria dos rivais, o FC Porto fracassou por culpa própria. Neste contexto, obviamente, também Jesualdo Ferreira tem culpas. Os dragões revelaram uma estranha apatia, uma monotonia apenas abalada com uma séria adversidade, um ritmo baixo e pouco pressionante. Saiu caro. O FC Porto jogou demasiado tempo preso a um sistema previsível, gasto e sem capacidade para se superiorizar aos adversários - e é aqui que a acção de Jesualdo mais falhou. Tem responsabilidades na má campanha? Claro que sim. Tal como teve nos títulos ganhos, com extraordinário trabalho realizado na formação de jovens jogadores. No entanto, nesta campanha, o FC Porto foi assolado por lesões e houve ainda a ausência prolongada de Hulk. Jesualdo foi, ao mesmo tempo, vilão e vítima. A verdade, porém, é que FC Porto precisa de um abanão. Mudará de treinador, por isso.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Made In England: O fim da época com o Mundial à porta

Acabou a época futebolística em Inglaterra e o Chelsea fez história. Não só pelos números com que conquistou o título mas também por se ter juntado ao restrito grupo de apenas sete equipas que conseguiram a dobradinha. Frente a um Portsmouth, que, apesar de todas as dificuldades que atravessa, se bateu honrosamente, o Chelsea juntou ao título de campeão inglês a conquista da FA Cup. Com um golo do inevitável Didier Drogba, a equipa de Ancelotti colocou mais um sorriso na cara de Abramovich e de todos os adeptos dos blues pelo feito inédito no clube de Stamford Bridge, fechando assim com chave de ouro a presente época. O que nos resta agora para o Verão? Este ano, felizmente, ainda temos muito que vibrar. Entre os jogos particulares e de preparação, as movimentações do mercado e, muito em especial, o Mundial da África do Sul, não faltarão momentos emotivos e de muito interesse aos que seguem e sofrem com o futebol.

No mercado inglês predominam, neste momento, duas grandes incógnitas. Vai Fernando Torres continuar em Liverpool? E irá Cesc Fabregas sair para o Barcelona? Nenhuma destas situações se deverá resolver antes do Mundial
. No caso do jogador do Arsenal, este já demonstrou a sua vontade de voltar ao clube que em tempos representou, mas não quer sair a mal. Nas suas palavras demonstra o respeito que tem por Arsène Wenger e pelo Arsenal, ao ponto de deixar nas mãos do seu actual clube a decisão de o libertar, ou não, para o Barcelona. Quanto a Torres a especulação é maior. O seu agente afirmou recentemente que ele vai continuar em Anfield Road. Contudo, quando confrontado com estas afirmações, o próprio jogador não foi convincente e até, de certa forma, se colocou à margem do que foi dito.

A fraca campanha do Liverpool na época que acabou, conseguindo apenas um sétimo lugar na Liga Inglesa, e as dificuldades que passou na Europa, com a eliminação da Liga dos Campeões na fase de grupos e a ausência da final da Liga Europa, deixam Fernando Torres, avançado espanhol, a sonhar com outros clubes. Quais clubes? Neste momento fala-se insistentemente do Chelsea, o que agrada muito ao jogador. Mas os milhões do Manchester City parecem também falar alto, ainda para mais quando é sabido que os donos do clube não são tímidos a investir.


Falemos, posto isto, da selecção inglesa. O particular frente ao México levantou algumas questões ao revelar debilidades na equipa orientada por Fabio Capello. A equipa mexicana sabe trocar bem a bola, com rapidez e precisão, o que levou os ingleses a fazer pouco mais que ver jogar, em especial na primeira parte. O meio-campo britânico não se entendeu e a ausêcia de Gareth Barry foi gritante. O médio do Manchester City, que teve um papel preponderante na fase de qualificação, está lesionado e em dúvida para o Mundial. Todos os esforços estão a ser realizados para que recupere, dada a sua elevada importância na selecção britânica.

Uma outra dúvida se levantou em relação a Wayne Rooney, a recuperar de uma lesão: estará ele em boa forma física em Junho? Ronney diz que sim e promete golos. A ver vamos. O último jogo em solo inglês terminou com uma vitória por 3-1 mas só com um pouco de sorte e sem domínio, já que, como se disse, esse pertenceu ao adversário. Capello não é um amador e de certeza vai corrigir os pontos fracos, garantindo que podemos assim esperar uma selecção inglesa competitiva e com ganas para se posicionar no restrito lote de equipas candidatas a triunfar na África do Sul. Ficamos a aguardar.


MADE IN ENGLAND é um espaço quinzenal, assinado por Armando Vieira, que incide sobre a época desportiva em Inglaterra

segunda-feira, 24 de maio de 2010

O MOUnstro dos troféus

Mourinho para os dragões, Jose para os blues do Chelsea, Mou para os interistas e Zé Mário para a família e amigos. No fim tudo se resume a um só nome: José Mourinho, sinónimo de sucesso e a melhor forma de conjugar o verbo ganhar. Dezassete troféus em sete anos (FC Porto, Chelsea e Inter) com duas Ligas dos Campeões e uma Taça UEFA é currículo para ser invejado por qualquer treinador e, claro, brandido pelo próprio José Mourinho, como arma de arremesso a quem conteste a forma de jogar das suas equipas. Defensivo? Pouco atractivo? Talvez seja… mas ganha e isso ainda é o objectivo final. Mourinho esteve presente em três finais europeias e venceu-as, fazendo jus ao “dogma” por ele lançado há uns anos atrás: “As finais não se jogam, ganham-se”. Missão cumprida.

Melhor treinador do Mundo? Não sei e nem isso interessa, porque ainda não foi encontrada a fórmula que possa servir para designar o melhor. Se a forma de o medir forem os títulos conquistados, Mourinho, na sua curta carreira, é já o mais titulado de todos os treinadores mundiais. É criticado pela forma pragmática como as suas equipas defendem, fugindo a um futebol bonito, atacante e atractivo, que encante os apaniguados do futebol. Desde já aqui deixo bem claro que me incluo neste capítulo, gosto de ver futebol bem jogado, mas a minha desilusão já foi muita. Adorava a forma de jogar da Laranja Mecânica holandesa, mas Alemanha e Argentina encarregaram-se de me demonstrar que o pragmatismo (Alemanha) e o contra-ataque e oportunismo de Mário Kempes (Argentina) foram melhores receitas para vencer.

Vibrei no Espanha'82 com o Brasil de seu Telê Santana, mais a magia de Sócrates, Júnior, Cerezzo, Falcão e tantos outros. Que adiantou a beleza do futebol-arte dos brasileiros, quando apanharam pela frente um pragmática Itália aliada à frieza de Paolo Rossi? Na história do futebol o que fica documentado para a posteridade são os troféus conquistados, e aí, MOU é o maior. Qual o segredo das equipas de Mourinho? Liderança forte e não partilhada. Escolha dos jogadores, que quer ambiciosos, com sede de ganhar e de chegar ao estrelato. Abraça o lema dos mosqueteiros: “um por todos e todos por um”, pegando num grupo heterogéneo de jogadores que põe a lutar pelos objectivos comuns e a remar todos para o mesmo lado. A força do colectivo é a soma dos valores individuais, nunca o “uno” se sobrepõe ao “todo”.

Trabalho, organização, método, disciplina e autoridade são os segredos de quem clama para si a responsabilidade de todo o futebol dos clubes por onde passa. Compra brigas e provoca guerras de “alecrim e manjerona”, chamando a si todas as atenções mediáticas, de molde a retirar o peso de cima dos ombros dos seus jogadores. Van Gaal afirmou após a derrota de ontem que “os meus jogadores aprenderam hoje que os jogos se ganham com pequenos detalhes”. Mourinho tinha-o dito sete anos antes. Até nisso é um adiantado mental. Se os fins justificam os meios, então Mourinho está no caminho certo para continuar a abraçar o sucesso, que já busca nos braços de outro clube, o Real Madrid. Outros desafios mas os mesmos objectivos: vencer, vencer, vencer. Mourinho é mesmo especial, porque é ganhador e a história escreve-se com o nome dos vencedores.

Análise de Bernardino Barros, comentador da Rádio Renascença

domingo, 23 de maio de 2010

Bayern Munique-Inter Milão, 0-2 (crónica)

MESTRE, DESCULPE LÁ, MAS EU SOU ESPECIAL!...

Sobe a placa com os três minutos de compensação. O Inter vence por dois golos, tem a Liga dos Campeões na mão, o triplete está assegurado, a História marcada. O nome do clube italiano começa a ser gravado no troféu. José Mourinho sai da sua área técnica, onde viveu o jogo, o sentiu, gesticulou, onde teve toda a adrenalina própria de um duelo com tamanha carga emocional. Dirige-se ao terreno adversário. O Bayern de Munique há muito acenara a bandeirinha branca em sinal de rendição, estava entregue, não podia fazer nada para alterar a coroação dos nerazzurros. Louis Van Gaal, sempre de rosto fechado e ar de durão, mantinha-se sentado no banco. Esteve assim desde o início. Mourinho cumprimenta-o, deixa um abraço, consola um dos seus professores. Agradece o que lhe deu. Mas aquele era o seu momento.Tinha que vencer. Venceu!

Silêncio. Táctica, estudo mútuo, receio de falhar. Jogar com serenidade, sem arriscar um milímetro, sem dar azo a investidas do adversário, manter a frieza, a calma absoluta, preferir um estilo pragmático. A vontade de não perder estava lá, mais forte do que a vontade de vencer. O início de jogo foi um retrato fiel das duas equipas, Internazionale de Milão e Bayern de Munique, o resultado acima de tudo, a importância da táctica, de saber aproveitar as fragilidades contrárias, não as esperando vindo do acaso mas sabendo provocá-las, querendo atacar nos momentos certos. Mesmo que isso não seja bonito, mesmo que provoque assobios, mesmo que pareça mal. Mourinho e Van Gaal, gerações diferentes, a mesma escola. Um aprendiz querendo surpreender o mestre. Mou aprendeu e cresceu com o frio holandês. Era altura de voltar a provar a sua força.

Há jogadores que aparecem em momentos decisivos, há outros que são regulares mantendo um bom rendimento constante e há ainda aqueles que, tendo qualidade, desaparecem quando a exigência sobe e são mais necesssários. Diego Alberto Milito, avançado argentino, é o melhor que uma equipa pode ter: joga sempre em altíssimo nível, entrega-se, cerra os dentes e vai à luta, mesmo quando as coisas não lhe correm bem, e ainda emerge quando faz mais falta. Nunca se esconde. Pode estar pouco em jogo, correr muito e ter pouca bola no pé, mas está no seu sítio, no sítio certo e letal, para resolver. Marcou na Taça de Itália. O Inter ganhou o troféu. Marcou, na última jornada, quando a Roma vencia, em Siena. O Inter ganhou o campeonato, conseguiu a dobradinha, vincou a sua posição em Itália. Era dele quem mais se esperava em Madrid. Dele viriam os golos. De Sneijder a arte de criar.

DOMINA, BAYERN, EU MARCO!

O Bayern de Munique é uma equipa que gosta de ter a bola, circular, manter o controlo da situação e alargar horizontes até à baliza do adversário. É uma equipa de ataque. Com as devidas cautelas, sim, mas de ataque. O Inter aceitou o pacto. Os alemães ficam com a iniciativa, com a bola, tentam abrir brechas na defesa, trabalham para isso. Nada perdido, daí não resulta mal nenhum aos nerazzurros. O Inter, no seu estilo bem italiano, matreiro e viperino, responde com consistência, concentração e união para impedir a progressão do rival. Como se fosse um jogo de xadrez, jogando sempre em alerta, colocando o seu rei bem protegido, longe dos perigos. Cada um joga com o que tem. O Inter é forte no contra-ataque, nos remates de longe. É isso, portanto, que tem de explorar. Wesley Sneijder, por duas vezes, testou Butt. O guarda-redes alemão respondeu bem.

Um dos maiores trunfos do Inter, deste Inter de Mourinho, é a capacidade de descomplicar. Os italianos jogam um futebol simples, pouco trabalhado, rápido e eficaz como poucos. Não precisam de fazer passar a bola por todos os seus jogadores, para introduzir jogadas de cortar a respiração ou tentar satisfazer totalmente quem vê. Não encanta mas vence. Isso é o mais importante. Quatro toques chegaram para um golo: Júlio César pontapeou longo, Diego Milito, perante Demichelis, amorteceu para Sneijder, o holandês abriu para a área, de novo Milito surgiu perante Butt. Calma no avançado argentino, olhos na baliza, um alvo bem definido. Remate colocado e golo. Bem lhe poderiam chamar San Diego. Decisivo na Taça, no campeonato e, agora, na Liga dos Campeões. Quem pode querer mais deste atacante?

A VITÓRIA DE UMA EQUIPA MAQUIAVÉLICA!

Até aí, até esse golo de Milito, com os dois remates de Sneijder a anteceder, o Bayern de Munique havia tomado conta do jogo. Tal como Van Gaal dissera, a sua equipa fora ofensiva, fazendo de tudo para furar a muralha preparada por José Mourinho. Não criaram, contudo, uma verdadeira oportunidade de perigo, embora Howard Webb tenha deixado passar em claro um corte com mão de Maicon, aos catorze minutos, em plena área. O tento de Diego Milito, num momento crucial, abalou os alemães. Foi o passo decisivo para o Inter se tranquilizar. Um golo numa final, ainda para mais entre equipas de tão grande qualidade, é meio caminho andado. Ao Bayern restava responder forte, lançar-se em busca do empate, procurando anular a vantagem italiana. Esteve perto no início da segunda parte. Júlio César, gigante, tapou o golo a Muller.

Ver o Bayer insistir, atacar e manter-se passivo, não respondendo na mesma moeda, seria como entregar o jogo nas mãos do destino. O Inter nunca o poderia fazer. Logo após a oportunidade dos bávaros, Pandev obrigou Butt a uma bela defesa. O jogo ganhara intensidade no recomeço. Foi, porém, apenas um fogacho. Depois disso, tudo voltou a ser como antes: Bayern com a bola, Inter com o domínio. Arjen Robben, a figura maior dos alemães, um dispensável de luxo como Sneijder no Inter de regresso ao Santiago Bernabéu, tentou carregar a equipa, fazê-la ser incisiva, abrindo espaços. Mourinho preocupara-se com ele, tinha Chivu e Cambiasso. Neutralizar o holandês era uma das premissas do sucesso. O minuto sessenta e seis fez aparecer Robben. Conseguiu soltar-se, rematou em arco, Júlio César negou-lhe o golo com uma parada fabulosa.

O Inter de Milão pode parecer estar nas cordas, perdendo forças, deixando-se à mercê do adversário. Deixa que o rival lhe dê murros. E cresça, acreditando ser possível mudar, levando a equipa a ter de recuar e elevar a entreajuda. Como fizera em Camp Nou. O Bayern teve fé. Num momento decisivo, contudo, os italianos aplicam o golpe final. É o knock-out. É esse atributo, esse talento para resolver a seu favor quando é o adversário quem está mais perto de marcar, que dá ao Inter uma certa malvadez. Passaram quatro minutos desde o remate de Robben, o Inter saiu em conta-ataque: Eto'o teve liberdade, jogou para Milito, o argentino simulou uma diagonal, foi em frente, deixou Van Buyten pelo caminho e enganou Hans-Jorg Butt. Fez o segundo golo. Aos setenta minutos, as dúvidas terminaram: o Inter seria campeão europeu. Quarenta e cinco anos depois regressou a glória.

sábado, 22 de maio de 2010

Todo o campeonato em tons de vermelho

Sem meios-termos, olhando em jeito de balanço ao que se jogou no campeonato nacional, sai a primeira pergunta: o Benfica foi um justo campeão? É uma tendência dizer-se que sim, que o Benfica tem muito mérito no título que conquistou, suou para isso, foi melhor do que os adversários e mereceu os festejos. Pedro Azevedo, editor de Desporto da Rádio Renascença, não hesita. A resposta é pronta, pragmática e suportada na frieza dos números: "O Benfica teve o melhor ataque, melhor defesa (a par do Sp.Braga), foi a equipa que agradou mais em termos exibicionais, a mais espectacular, com mais vitórias, menos derrotas, melhor futebol e mais regularidade. Tudo isto somado dá um justo vencedor, indiscutivelmente", afirma. O investimento encarnado deu total retorno: "Teve um plantel muito bem apetrechado sob o ponto de vista técnico, com jogadores em grande nível exibicional e também com grande regularidade".

Apesar do seu reconhecido talento, o Benfica foi obrigado a esperar pelo derradeiro jogo para festejar. Por obra alheia. O Sp.Braga, uma surpreendente equipa que se intrometeu na luta pelo título, correndo pela História, adiou a coroação benfiquista. Os bracarenses foram guerreiros na verdadeira acepção da palavra, nunca baixaram a guarda. Para Pedro Azevedo, contudo, ainda não se pode juntar o Sp.Braga ao grupo de top nacional: "Um grande não nasce de um dia para o outro.
Nasce após muitos e muitos anos de consistência: de resultados e de força social. O Sp.Braga terá de crescer em número de adeptos, de sócios efectivos, em orçamento, em apoios, em sponsors. Só dentro de alguns anos é que podemos dizer se temos efectivamente um quarto grande no futebol português", afirma. "O Sp.Braga ainda não tem força social - basta recordar que, para encher o estádio, teve que abrir as portas e fora, quando conseguiu grandes assistências, teve que oferecer bilhetes".

O SUCESSO DE JORGE JESUS E DOMINGOS PACIÊNCIA

Jorge Jesus é um treinador de amor e ódio. Idolatrado pelos benfiquistas que vêem nele um obreiro do título e o criador de uma equipa forte como há muito não tinham na Luz. Os adversários, claro, apontam defeitos: é arrogante, é egocêntrico, é espalhafatoso. "Goste-se ou não se goste de Jorge Jesus, daquele seu estilo, daquela sua linguagem, é um treinador de sucesso, porque pegou num Benfica que há cinco anos não ganhava o campeonato e levou-o ao título. Tem grande mérito nisso", afirma Pedro Azevedo, ressalvando ainda a conquista da Taça da Liga. Para o jornalista da Rádio Renascença, o treinador encarnado, culminando uma subida a pulso com a conquista do título nacional, revelou-se "um excelente gestor de recursos humanos". "Di María, Saviola, Javi García e Óscar Cardozo são jogadores que, de facto, se exibiram a um nível muito elevado; a adaptação de Fábio Coentrão também foi um sucesso; Maxi Pereira sempre foi regular", exemplifica.

O que dizer, então, de Domingos Paciência? O jovem treinador do Sp.Braga ultrapassou o seu exame final, depois de ter estado em bom plano na Académica, demonstrando ter inúmeras capacidades como técnico e um horizonte risonho pela frente. O Sp.Braga foi uma etapa plenamente cumprida.
"Já não há palavras para qualificar um trabalho de altíssima qualiade de Domingos Paciência, é um treinador quem, degrau a degrau, vai mostrando ter grande futuro. Soube lidar com um grupo que não tem comparação em termos de orçamento com os chamados grandes, soube segurar a pressão, teve um discurso prático, dizendo que atacava o título quando o devia ter feito. Por isso, acho que foi, também, um bom condutor do projecto do Sp.Braga, o projecto possível, mas que se revelou numa época absolutamente excepcional, histórica e, desconfio, irrepetível", diz Pedro Azevedo.

FC PORTO: UM TETRACAMPEÃO SEM ESTATUTO


O FC Porto partiu como tetracampeão. Na linha da frente. Acabou, contudo, em terceiro, suplantado pelo Benfica no título e pelo Sp.Braga no acesso à Liga dos Campeões. Em relação à época anterior, há apenas uma diferença de dois pontos. Pode o mérito dos rivais explicar o falhanço? "Eu acho que os campeonatos só são comparáveis dentro do próprio campeonato: confrontos directos, diferença de pontos, exibições e resultados que se verificam nos jogos decisivos. Cada campeonato, sua história. O FC Porto, efectivamente, soma em 2009-10 o seu pior registo dos últimos trinta anos, apenas comparável ao de 2002 (também terceiro) e ao de 1982 (quando Pinto da Costa tomou conta do clube). Só estes números dizem que a época é francamente negativa e temos que somar uma saída humilhante da Liga dos Campeões e uma derrota categórica na Taça da Liga", relembra. Muito mais se esperaria dos dragões.

Pedro Azevedo tem uma opinião curiosa sobre o plantel azul: "Ao contrário do que foi dito, o FC Porto não ficou muito descapitalizado em termos qualitativos.
Basta recordar que saíram três jogadores muito importantes - Lucho, Lisandro e Cissokho -, mas entraram três reforços e meio muito bons", refere. "Alguns dos reforços não resultaram, mas isso acontece em todas as equipas e esses que não resultaram não são responsáveis por nada, porque praticamente não jogaram", firma. O problema residiu, segundo Pedro Azevedo, na táctica: "Pessoalmente, acho que aquilo que falhou foi a falta de afinação táctica, ou seja, o FC Porto deste ano jogou com o sistema do ano passado. Com jogadores diferentes, estilos de jogo diferentes. O FC Porto teria de jogar no esquema que utilizou nestes últimos dez jogos", argumenta. Os verdadeiros reforços do FC Porto são fáceis de adivinhar: Álvaro Pereira, Radamel Falcao e Silvestre Varela.

"Álvaro Pereira foi uma das grandes revelações, foi o jogador mais utilizado do FC Porto com mais de quatro mil minutos e sempre numa bitola idêntica; Falcao conseguiu ser o melhor marcador desde a era Jardel e, inclusivamente, não fossem dois ou três golos mal anulados, mas são circunstâncias do jogo das quais hoje ninguém se pode lamentar - é apenas um dado estatístico - até seria o melhor marcador do campeonato; Varela, relacionando o preço e a qualidade, tratou-se de uma grande compra", explana. Falta a meia-aquisição. É Belluschi: "Estou convencido, por aquilo que fez nesta ponta final, que, depois deste ano de adaptação, será uma confirmação".
Há, ainda, a questão de Hulk. Jogador influente, indiscutível na equipa, esteve dois meses de fora: "Ainda que também não seja uma desculpa decisiva, a ausência de Hulk, um jogador de grande peso, contribuiu para que este FC Porto tivesse sido muito diferente, para pior, em relação à última época".

SPORTING: UM FRACASSO COM VÁRIAS CAUSAS E UM ALERTA

O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. É uma máxima popular, conhecida, referida vezes sem conta. Pode, por exemplo, sintetizar a época do Sporting: os problemas sentidos durante a pré-temporada foram um prenúncio para o que aconteceria ao longo de todo o campeonato, culminando num quarto lugar a anos-luz, traduzido em vinte e oito pontos, do primeiro lugar. Para explicar o insucesso leonino, Pedro Azevedo encontra vários motivos. Começando, justamente, pela preparação da temporada: "A equipa não se reforçou bem. Paulo Bento construiu um plantel, na minha opinião, muito curto: confiou em demasia nas pedras que tinha e não exigiu, provavelmente por falta de recursos financeiros, um plantel mais vasto, com mais alternativas para todas as posições. Seguiu-se a mudança técnica, logo houve instabilidade", adianta. Essa insegurança não se sentiu, porém, só no plantel. Alargou-se à estrutura directiva.

Agora estabilizado com Costinha, o actual homem-forte do futebol do Sporting, os leões tiveram, durante a época, outros dois directores na chefia dos destinos da equipa profissional. "Houve mudanças de chefe de departamento do futebol e problemas internos que até passaram por alguma animosidade dentro do próprio balneário. Tudo isto, mais a irregularidade que o Sporting uma vez mais teve nesta temporada, dá uma época muito negativa, com uma larga distância em relação às equipas da frente. Eu diria inadmissível, levando em conta o orçamento e a dimensão do clube", atira de pronto para classificar a caminhada sportinguista
. E concluir com um alerta: "O Sporting esteve mal, acabou mal e já começou mal a próxima época, porque Paulo Sérgio [o novo treinador] sabe que não foi a primeira opção, essa era André Villas Boas. Saber que foi segunda escolha é uma sensação muito má".

O PERFUME DE DI MARÍA


Posto isto, pede-se, como pergunta da praxe, o nome do melhor jogador do campeonato. "É injusto falar apenas de um", diz, hesitante, Pedro Azevedo. Mas há um, sim: "Ao ter que eleger um jogador, elegeria Di María. Pelo virtuosismo, pela capacidade de desequilibrar, pelas paixões que desperta nas bancadas e pelo espectáculo. É um jogador raro, tem velocidade, técnica, excelente drible, excelente visão, remate fácil e é muito bom nas assistências. Dá gosto ver jogar. Não é por acaso que Maradona, de forma indiscutível, o coloca nos vinte e três e, presumo, nos onze: é um jogador que vai ser titular, pela Argentina, no Campeonato do Mundo. Ser titular na selecção argentina jogando no campeonato português prova, de facto, ser um fora de série. Di María é a grande figura do campeonato", avalia Pedro Azevedo, elogioso para Angelito.

OS MELHORES: TOTAL DOMÍNIO VERMELHO

Depois da figura maior, o melhor em cada posição. "O guarda-redes do campeonato é Eduardo. É bom recordar que, além de o Sp.Braga ser, com o Benfica, a defesa menos batida, na fase de qualificação para o Mundial, Eduardo sofreu apenas dois golos. Não sei como é que é possível ter passado seis anos na equipa B do Sp.Braga sem que tenha sido chamado para guarda-redes titular", interroga-se Pedro Azevedo, ressalvando o valor daquele que foi um dos principais suportes da sensacional caminhada do Sp.Braga e será o número um da selecção portuguesa na África do Sul. Progredindo no terreno, deixando a baliza, há a defesa. E David Luiz: "Só uma vez é que a FIFA teve a infeliz ideia de eleger um defesa como melhor jogador do Mundo, acho que foi uma ideia muito má, mas David Luiz é um dos melhores jogadores deste campeonato, muito melhor do que Luisão. Dunga [seleccionador brasileiro] francamente a dormir", atira.

Do defesa saltamos para o goleador. Óscar Cardozo e Radamel Falcao travaram, ao longo de todo o campeonato, um duelo à parte, intenso e vibrante na corrida pelo prémio de melhor marcador. Tacuara levou a melhor em cima da meta, confirmando o prémio na partida do título. Pedro Azevedo também lhe dá preferência: "Ainda que toda a gente elogie Falcao - foi uma revelação: sem adaptação, sem férias, um ano e meio seguido a jogar -, mas, para mim, Cardozo está acima. É, de facto, um jogador que eu gosto muito, porque tem grande porte atlético, tem um pé esquerdo fabuloso, tem um remate fulminante. É o goleador do campeonato, foi o número um nos golos. Falcao é um jogador diferente, é menos posicional", argumenta, mostrando também admiração por aquilo que El Tigre conseguiu na sua primeira época em Portugal.

Se Cardozo é o artilheiro, o ponta-de-lança que vive de golos, Di María, o eleito de Pedro Azevedo para destaque do campeonato, é o avançado. Não o que marca golos, o que inferniza as defesas: "Di María como avançado, pela versatilidade, brilhantismo, fintas, exuberência, qualidade e slalons inesquecíveis". O jovem argentino foi um jogador que encheu as medidas aos adeptos portugueses. Na eleição para melhor médio, o voto de Pedro Azevedo vai para Aimar. El Mago não teve uma presença assídua, foi gerido por Jorge Jesus devido à sua condição física, mas revelou-se fundamental em momentos decisivos. "É um jogador que particularmente gosto muito e trata a bola de uma forma que, muitas vezes, merece o preço do bilhete", conclui o jornalista da Rádio Renascença. Para Pedro Azevedo, estes foram os melhores da Liga.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

A época em revista

A época futebolística em Portugal começou a 9 de Agosto. Em Aveiro, FC Porto e Paços de Ferreira, campeão perante o finalista vencido da final da Taça de Portugal, disputaram a Supertaça Cândido de Oliveira. Sem surpresa, num jogo dividido e típico de início de época, ainda na fase preliminar, os dragões foram mais fortes e venceram por 2-0. O final foi, como habitualmente, no Jamor, palco mítico da final da Taça de Portugal, a segunda prova mais importante do calendário nacional. De novo com o FC Porto, tendo pela frente o Desportivo de Chaves, adversário surpreendente e capaz de uma caminhada extraordinária até ganharem o direito a sonhar com um feito histórico para um clube caído, uma semana antes, na II Divisão. O FC Porto voltou a ser mais forte, numa prova onde eliminara o Sporting e o Benfica caiu perante o Vitória de Guimarães.

Entre Agosto e Maio, depois da Supertaça Cândido de Oliveira e antes da final Taça de Portugal, desenrolou-se o campeonato nacional. A Liga Sagres é o objectivo prioritário de qualquer clube português, todos querem fazer boa figura ao longo da maratona em que é necessário ultrapassar trinta obstáculos. O Benfica, após cinco anos sem alcançar o título nacional, sagrou-se campeão, perante o Rio Ave, na última jornada. Os encarnados confirmaram o estado de graça que exibiram desde a pré-temporada. Lutando de igual para igual, sem complexos de inferioridade, o Sp.Braga foi a maior supresa do campeonato, passando rapidamente a confirmação. A equipa de Domingos Paciência foi autora de uma campanha excepcional, deixando um marco na História, algo que nunca havia sido alcançado pelos bracarenses.

Em contrapartida, FC Porto e Sporting falharam os seus objectivos de conquistarem o título. Sobretudo os dragões, pois a equipa de Jesualdo Ferreira, partindo na pole-position para o campeonato, não conseguiu manter o domínio das últimas quatro temporadas, falhando o seu segundo penta, e viu-se superado pelo Benfica e pelo Sp.Braga. Significa isso, então, que, na próxima época, os portistas não poderão estar na Liga dos Campeões. Esta temporada, na prova milionária, em que Inter de Milão e Bayern de Munique chegaram à final, o FC Porto ultrapassou a fase de grupos, sendo segundo atrás do Chelsea, mas saiu pela porta pequena nos oitavos-de-final, defrontando o Arsenal: apesar da vitória caseira (2-1), a derrota expressiva (5-0) em Londres motivou a queda da Champions. O Sporting viveu uma época de verdadeiro pesadelo. Tudo saiu mal.

Sem possibilidades de entrar na fase de grupos da Liga dos Campeões, devido à derrota no play-off com a Fiorentina, logo após ter passado o Twente, os leões falharam no campeonato (ficando em quarto lugar, com um atraso de vinte e oito pontos para o primeiro lugar!), na Taça de Portugal e na Taça da Liga tombaram perante os rivais de sempre, FC Porto e Benfica. Na Liga Europa conseguiram chegar aos oitavos-de-final após derrotar o Everton, onde, contudo, cederam com o Atlético de Madrid - mesmo tendo ficado um sabor a pouco frente à equipa que, mais tarde, conquistaria o troféu. Também o Nacional, supresa ao eliminar o todo-poderoso Zenit para chegar à fase de grupos, conseguiu uma prestação acima das expectativas. Paços de Ferreira saiu naturalmente, enquanto a eliminação do Sp.Braga, nem chegando aos grupos, foi demasiado precoce.

O Benfica, para além de campeão nacional, o seu grande objectivo da época, revalidou ainda a conquista da Taça da Liga, batendo o FC Porto (3-0). Na Taça de Portugal, como se disse, foi vergado, em casa pelo Vitória de Guimarães (0-1). Na Liga Europa, os encarnados mostraram grande fulgor na fase de grupos, com destaque para as vitórias sobre o Everton. Hertha de Berlim e Marselha foram também adversários que o Benfica defrontou e venceu, seguindo em frente na Liga Europa. Quando a fasquia foi elevada, os horizontes alargados até à final de Hamburgo, o Liverpool fez de vilão e superou, em Anfield Road, a equipa de Jorge Jesus - que vencera, em casa, por 2-1. Embora Jorge Jesus tenha dado total primazia ao campeonato, algo que poderá até ter estado na base do insucesso em Liverpool, o Benfica mantinha o sonho de chegar longe na segunda maior competição europeia.

2009-10 não foi a época de Belenenses e Leixões. Os dois emblemas confirmaram a descida à Liga de Honra, deixando o convívio dos grandes numa temporada em que nada lhes saiu bem. Ao invés, Beira-Mar e Portimonense estarão de regresso, após terem garantido as subidas de divisão, ao principal escalão do futebol português: os aveirenses interrompem um hiato de quatro temporadas, os portimonenses, que se juntam ao Olhanense como representantes algarvios, há mais de duas décadas que não se encontravam na liga principal. Após a final da Taça, conquistada pelo FC Porto, foi colocado um ponto final na temporada futebolística. Agora, a partir de 11 de Junho, chega o Mundial 2010. Em Portugal, contando as provas internas apenas, a nova época desportiva arranca a 7 de Agosto. Com a Supertaça: Benfica e FC Porto, um duelo escaldante, novo campeão frente ao bi-vencedor da Taça de Portugal.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

O campeonato em análise: Um ano em retrospectiva

O FC Porto fechou a época 2009/2010 como arrancou. A vencer. Mas foi um longo oásis num ano vestido de vermelho. O Benfica igualou os dragões em títulos, levando para casa o troféu mais apetecido, cinco anos depois da última vitória. E o Sp.Braga, sem troféus que reclamar, consagrou-se como a equipa do ano levando o seu sonho até aos derradeiros instantes da prova. Para a próxima temporada avinha-se um duelo mais equilibrado. Espera-se um Sporting renascido, sob a batuta de Paulo Sérgio, e um Sp.Braga que se torna, a partir de agora, numa verdadeira incógnita. Lado a lado estarão, certamente, águias e dragões, numa luta que promete durar, desta vez, até ao fim.

O Benfica coroou-se campeão nacional depois de um ano de altos e baixos.
A equipa orientada por Jorge Jesus arrancou de forma espectacular na prova, com sucessivas goleadas, mas foi perdendo gás. Trocou o futebol espectáculo por um modelo mais cínico e eficaz e a aposta saiu bem. Aguentou a pressão de FC Porto e Sp.Braga e tropeçou menos que os rivais. Montou um esquema táctico equilibrado, com laterais rápidos, um bloco de meio-campo sólido e um ataque que apostava nas trocas de posição. Cardozo ficou a ganhar e levou para casa a bota de goleador, mas o mérito deveria ser repartido pelos seus principais assistentes, Saviola e Di María. O clube encarnado soube passar ao lado das suspensões polémicas que marcaram a prova mas mesmo assim teve de esperar ao último momento para erguer a taça. Que, por certo, se entregou pela primeira vez no último dia da prova. Na Liga ninguém duvidava do desenlace final.

Do outro lado do Atlântico esteve, nessa tarde, o Sp.Braga, de sonho desfeito.
A equipa de Domingos Paciência foi um exemplo de estoicidade durante toda a época, com prémio europeu incluído. Melhor classificação de sempre, mesmo sem Vandinho (e Mossoró) durante largos jogos, o Sp.Braga começou bem a época e foi o primeiro a derrotar o Benfica. Aplicou a mesma fórmula aos três grandes e emergiu como líder natural do torneio. Mesmo quando ultrapassado, aguentou a pedalada do camisola amarela e demonstrou que, com eficácia, se consegue tanto ou mais do que com espectáculo. Um 4x2x3x1 inteligente, que o técnico portuense soube interpretar bem do princípio ao fim. Numa equipa sem protagonistas, o Sp.Braga foi a sensação do ano.

A fechar o pódio, o FC Porto.

O tetracampeão nunca mostrou argumentos para revalidar o título. Apesar dos golos (e grandes exibições) de Falcao, a equipa orientada por Jesualdo Ferreira passou o ano perdida. Perdeu pontos fora de casa com rivais insuspeitos, perdeu tantos jogos como ganhou com os três rivais directos, e no final de contas, chegou ao final da época sem nenhuma ambição. Sem Hulk durante três meses, o FC Porto viveu o seu melhor período com o bom futebol de Varela, Falcao e o recém-chegado Rúben Micael. Mas rapidamente o balão perdeu ar, a equipa voltou a tropeçar, de forma definitiva, e disse adeus ao segundo penta da sua história. Um ano de muitas lições, desportivas e não só, que deixa antever uma mudança de ciclo no Dragão.


E se de Sporting e Vitória de Guimarães nem vale a pena falar, tais foram os tiros nos pés que foram dando, e que significaram falhar os principais objectivos da época, já méritos terão de ser atribuídos aos clubes madeirenses. Maritimo, pelo regresso à Europa, e Nacional, por aguentar largos meses sem o seu técnico, não deixando, no entanto, de apostar num futebol ofensivo e fluído, já marca da casa.


No lado oposto da classificação ficou claro que Portugal continua a ter um campeonato muito pouco competitivo, ao nível da mediania do leste e norte da Europa e longe da elite. O futebol praticado, a atitude em campo (e fora dele) e a ausência de uma política desportiva coerente e estável foi uma nota dominante em quase todos os clubes da segunda metade da tabela. No final, as descidas de Belenenses e Leixões confirmaram o que se esperava. Os do Restelo viram cumprida uma ameaça de há várias épocas; os de Matosinhos pagam pela péssima gestão desportiva, apenas ano e meio depois de terem estado entre os líderes da prova.

Análise de Miguel Lourenço Pereira, jornalista e autor do blogue Em Jogo

terça-feira, 18 de maio de 2010

O campeonato em análise: Jesus e o milagre bracarense

Não vou falar dos túneis, dos aberrantes castigos de Hulk, Sapunaru, Mossoró e Vandinho, das bolas que bateram nos ferros, dos penaltis marcados e de outros que ficaram por marcar. Bem que sei que, tudo somado, é uma parte da história do Campeonato 2009/2010. Mas é apenas isso, uma parte que será exaltada ou desprezada, em função do clubismo de cada um, sem que isso belisque, a meu ver, uma regra com poucas excepções na Liga portuguesa: normalmente, a equipa que se sagra campeã é a mais forte. Nos últimos três anos foi o FC Porto. Esta época foi o Benfica a suplantar tudo e todos – com mérito, como ficou comprovado pelos números finais. E com talento. No plano futebolístico, os encarnados exibiram credenciais de grande equipa, tiveram momentos em que roçaram a perfeição, outros em que foram mais eficazes do que brilhantes.

Raras foram as vezes em que o Benfica revelou aquele conformismo doentio que esteve na origem dos fracassos desportivos que se seguiram ao campeonato ganho por Trapattoni. A novidade desta edição da Liga Sagres é que não foi nem o FC Porto nem o Sporting a morder os calcanhares aos encarnados. Foi o Sp.Braga. O sensacional Sp.Braga, de Domingos Paciência, que discutiu o título até à última jornada, que pulverizou todos os recordes da era Jesualdo Ferreira, tornando-se, por direito próprio, vice-campeão nacional. Por milagre, um orçamento de oito milhões de euros fez um pouco mais que os muitos milhões gastos pelo FC Porto, bastante mais que o gordo investimento do Sporting, apenas um pouco menos que o ano do tudo-ou-nada do Benfica em matéria de contratações milionárias. Foi obra, mas acredito que não foi obra desenganada nem empreita irrepetível. Há-de acontecer de novo, mais época menos época.

Quanto ao FC Porto, fecha um ciclo. Perdeu o Campeonato e o acesso à Champions, basicamente, por erros cometidos com adversários de reduzido potencial. Deixar voar dez pontos com equipas como o P. Ferreira (dois empates!), Olhanense, Leixões e Belenenses é um sinal de debilidade que nem aquela vigorosa recta final atenuou. Ok, lá vem o Hulk à baila. Fez falta? Faz sempre, é grande jogador. Pode uma equipa candidata depender de um único talento? No mínimo, não deve. O facto é que o plantel portista não oferece, qualitativamente, tantas soluções como o do Benfica. Não há como negar isso. No passado, isso não foi um problema grave, porque na Luz acabavam invariavelmente por se comer uns aos outros.

Com Jesus, a equipa passou a falar a uma só voz, a ter cultura de vitória e a jogar futebol com prazer, bem blindada por um gabinete de comunicação que funcionou em sintonia com o treinador. O FC Porto não leu esses sinais a tempo de redefinir coordenadas. Jesualdo pagará sozinho essa factura? Do Sporting há muito para dizer, mas acho que já se disse tudo. A época começou torta com Paulo Bento e não chegou verdadeiramente a endireitar-se com Carvalhal, apesar do mérito que o treinador teve em recuperar animicamente alguns jogadores importantes e arrumar para canto os cancros do balneário. Há uma palavra que define o momento do leão: confusão. E confuso continua...

Análise de Pascoal Sousa, jornalista do jornal A BOLA e autor do blogue dornomenisco

Falta a Champions para a tripleta, Mou!

Apito final de Emidio Morganti em Siena. O Internazionale de Milão chega ao final dos noventa e três minutos com a vitória, um triunfo tangencial mas justo, inteiramente merecido para ser confirmado o pentacampeonato dos nerazzurros. José Mourinho está junto ao túnel. Benze-se, beija os dedos, aponta ao céu com os dois indicadores, agradece a nova conquista. Desce a escadaria e desaparece no túnel de acesso ao balneário. A câmara procura, Mourinho não mais é visto. No relvado, os jogadores exultam, abraçam-se, festejam o seu campeonato, um título suado e sofrido até ao final, enfim vergando a incómoda Roma que se intrometeu no caminho do Inter. José Mourinho, o mesmo que atravessou o relvado em Barcelona, é bem menos efusivo, mais recatado, festeja em silêncio. Dá mais um golpe nos críticos. O golpe de misericórdia.

O Inter dominou em Itália. Mesmo vivendo dificuldades, tendo o título nacional por um fio, vendo-se ultrapassado pela Roma, equipa autora de uma recuperação fantástica desde a entrada de Claudio Ranieri que foi capaz de polvorizar os catorze pontos de atraso. Pensou-se que o campeão falharia. Errado. O Inter aproveitou um deslize dos romanos, em casa, para recuperar a liderança e ficar, então, com todas as condições para assegurar o título - a derrota ante a Sampdoria foi fatal para as aspirações de Ranieri, vinte e cinco jogos depois do último tropeção. Ontem, no terreno do Siena, o Inter confirmou o pentacampeonato. A Roma pressionou, venceu, obrigou a equipa de José Mourinho, também, a vencer. O Inter jogou bem, sufocou o adversário, criou um infindável número de oportunidades. Os caminhos do golo estavam tapados. Até Milito emergir. Como tantas vezes.

Diego Alberto Milito foi, indiscutivelmente, um dos melhores jogadores deste Internazionale. Adaptou-se com enorme facilidade a uma realidade bem diferente daquela a que sempre esteve habituado e continuou o seu percurso, recheado de golos, tal como havia feito no Saragoça ou, sobretudo, na última temporada ao serviço do Génova. A importância de Milito foi notória na equipa, o avançado argentino destacou-se nos momentos cruciais, apontou vinte e dois golos no campeonato e sete na Liga dos Campeões - sendo verdadeiramente fulcral na primeira mão ante o Barcelona, tal como Sneijder ou Zanetti, por exemplo. Foi também dos pés de Diego Alberto Milito que saiu o remate vitorioso na final da Taça de Itália, conquistada, frente à Roma, no Estádio Olímpico. O Inter, mesmo com turbulência no percurso, conseguiu a dobradinha. Itália rendeu-se ao domínio.

O objectivo mais ambicionado do Inter passa pela conquista da Liga dos Campeões. Há quarenta e cinco anos, desde os tempo áureos de Helenio Herrera, que os nerazzurros não vencem a maior prova europeia de clubes. É um hiato demasiado longo, abissal até, para uma equipa com os recursos e o historial do Inter de Milão. Ser campeão em Itália tem sido uma constante ao longo de cinco anos. Vencer a Liga dos Campeões será um marco na História. É atrás dele que correm os jogadores do Inter. E José Mourinho. Para deixar Itália com o dever completamente cumprido, mesmo vencendo o campeonato com todo o mérito que se lhe reconhece, ganhar a Champions dará ao treinador português um estatuto quase impossível de igualar. Aí, sim, festejará. Deixará um futebol hipócrita e onde não se enquadra coberto de glória. Com vitórias, títulos e feitos inatingíveis.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Taça de Portugal: FC Porto-D.Chaves, 2-1 (crónica)

A TAÇA SERVE PARA CONSOLAR O ESPÍRITO, DRAGÃO?

O FC Porto conquistou a Taça de Portugal. Poder-se-á dizer, sem ser descabido ou pouco digno para o adversário, que cumpriu a sua missão. Os dragões seriam sempre favoritos, contavam com altas probabilidades de arrecadarem o seu segundo troféu da temporada, juntando a Taça à Supertaça ganha em Agosto, para tentarem atenuar a má campanha realizada no campeonato nacional. O FC Porto falhou a conquista do quinto título de campeão consecutivo e, por isso, falhou. Ganhar a Taça de Portugal seria a única escapatória. Jogando com o Desportivo de Chaves, uma equipa caída em desgraça, procurando um sonho para por momentos esquecer a descida de divisão, os dragões foram mais fortes, venceram. Pela margem mínima, contudo passando ao lado de uma goleada. Demérito próprio e mérito de um Chaves que nunca se rendeu.

Páre, escute e olhe. Foi o que Helton fez. O guarda-redes brasileiro, uma surpresa superiorizando-se a Beto, saiu da baliza, hesitou, ficou a meio caminho, deixou-se antecipar. Edu, o jovem transmontano que foi herói na Figueira da Foz, repentinamente atirado para a ribalta, chegou primeiro do que o guardião, desviou a bola e levou-a no caminho da baliza. Esteve perto, perto, perto de ser feliz. Seria a coroação da história de fadas do Desportivo de Chaves, o melhor esquecimento para a depressão de ter caído de novo na II Divisão, a glória depois de deixar o futebol profissional e no meio de um mar de dificuldades que faz os flavienses verem o fim cada vez mais próximo. Foi a primeira grande oportunidade de golo da final da Taça. Serviu para demonstrar que o Chaves estava no Jamor para ser actor principal, não viver na sombra do FC Porto, fazer de tudo para contrariar as teorias e sair triunfante. Usando as suas armas.

Uma chance assim, próspera para fazer História ao estar presente na final da mítica Taça de Portugal, não pode ser facilmente deitada para trás das costas. O Desportivo de Chaves não tinha o que perder, restava acreditar, sonhar, expandir o seu futebol. O FC Porto é, em todos os sentidos, mais forte e mais capaz, ninguém o coloca em questão, mas o futebol é uma caixinha de surpresas, é um mundo diferente onde tudo pode acontecer. Jogando com respeito, sem abusar da altivez de quem realmente é superior, o FC Porto percebeu-o. O lance de Edu, aos oito minutos, era a prova que faltava para deixar bem claro que não haveria festa antecipada dos portistas. Para o conseguir, o FC Porto teria, primeiro, de trabalhar para isso. Respondeu a Edu com Falcao. No fundo, tratava-se de colocar o Chaves atrás, sem dar azo a investidas flavienses, mostrando superioridade. O FC Porto acelerou, fez tremer o rival, marcou.

UMA VANTAGEM NATURAL

A diferença entre equipas tão distantes esteve, afinal, no aproveitamento. E, até, na felicidade como chegaram às balizas adversárias. O sonho do Chaves, transportado por Edu, esbarrou no poste. O FC Porto ouviu o alarme, pressionou, obrigou os flavienses a errar e colocou-se em vantagem: Guarín rematou, a bola saiu enrolada, pouco tensa, mas passou por debaixo de Rui Rego e entrou juntinho ao poste. Dois erros, primeiro do lateral Eduardo e depois do guarda-redes, custaram caro aos flavienses. Os dragões sorriram, confirmaram o favoritismo, somaram umas décimas à abissal percentagem de favoritismo que o seu estatuto, o de equipa de topo nacional, lhe conferia. Em vantagem, o FC Porto sente-se bem: pode circular a bola, chamar o adversário, obrigá-lo a correr e apostar forte na velocidade para ser bem-sucedido. Hulk furou a defesa, criou, teve golos nos pés. Falhou a concretização para ter um dia memorável.

O golo de Fredy Guarín abalou o Desportivo de Chaves. Foi uma interrupção abrupta e precoce do sonho, fazendo os jogadores despertarem para a realidade, obrigando-os a ter de buscar força nas profundezas da sua alma. As oportunidades para o FC Porto sucederam-se, escorreram em catadupa, apareceram com extrema facilidade. Com Hulk transformado num diabo, levando a equipa, explodindo nos limites do fora-de-jogo, aproveitando a arriscada estratégia do Desportivo de Chaves ao jogar com uma defesa em linha. Numa dessas fugas, com a bola como um íman nos pés, o Incrível esteve a um palmo de aumentar a vantagem, mas Rui Rego opôs-se bem. Foi uma espécie de redenção do guarda-redes. À segunda, veio um golo. Com toda a naturalidade. Hulk escapou, a enésima vez isolado, foi altruísta e deu a Falcao a alegria de marcar. Um toque e já está.

DE UMA GOLEADA ANUNCIADA A UMA VITÓRIA TANGENCIAL

Vinte minutos jogados. O FC Porto com dois golos de vantagem e uma mão sobre a Taça de Portugal, o Chaves incapaz e impotente para lutar contra o destino e as evidentes assimetrias que o separam do topo. O pensamento generalizado foi o de que nada mais tiraria o triunfo ao FC Porto. Era legítimo. Nem os dragões pareceram interessados em desligar-se tão cedo do jogo. Pelo contrário: procuraram mais golos, mantiveram o domínio absoluto, anunciaram um novo tento. Hulk, sempre ele em destaque, somou oportunidades desperdiçadas. Foi displicente, não aproveitou a licença para matar que conseguira. Pelo meio das perdidas, Raúl Meireles foi abalroado na área por Danilo, Pedro Proença não entendeu falta. O Desportivo de Chaves não se encolheu, tentou reagir e jogar bem sempre que possível para chegar à frente. Conseguiu um golo, por Siaka Bamba, ainda festejou, mas o lance foi bem anulado por mão na bola.

O que poderia, então, mudar ao intervalo? Muito pouco. O início da segunda parte confirmou-o: Hulk cobrou um livre, Miguel Lopes desviou subtilmente, a bola embateu no travessão da baliza de Rui Rego. Mantinha-se a toada de mais, muito mais FC Porto. O jogo, contudo, perdera interesse, qualidade e vivacidade. Entrara num registo monótono, molengão, de passar do tempo sem que nada se alterasse. O FC Porto parecia ter o triunfo assegurado, o Chaves pouco mais daria. O tempo correu, o público tentou animar, cantou e festejou, embelezou a final da Taça de Portugal. Do relvado, porém, pouco havia para destacar. Aquele típico registo de final de época abateu-se sobre o Jamor. Hulk, numa das suas investidas, lá tentou abanar o jogo, alargar a vantagem do FC Porto; deu para Falcao e o lance perdeu-se. Era o tempo de Manuel Tulipa, crente numa gracinha, mudar. Para mostrar que ainda era possível acreditar.

Diop dera tudo o que tinha. Estava extenuado, sem mais forças para ajudar a sua equipa, precisava de ser substituído. E também o Desportivo de Chaves necessitava de sangue novo, alguém capaz de fazer tremer a defensiva do FC Porto. Entrou Clemente, um avançado com bons pormenores. Num daqueles lances atípicos, sem que se perceba muito bem o que passa pelos jogadores, o Chaves chegou ao golo. Foi um prémio querer flaviense. Mas, verdade seja dita, caiu do céu aos trambolhões. Rolando e Bruno Alves desentenderam-se, Helton voltou a não ser assertivo, Clemente foi mais astuto, utilizou a mão para ganhar a bola, passou despercebido e rematou para o fundo da baliza azul. O Chaves, antes entregue, acreditou num brilharete. Aumentaram os nervos,
Ricardo Rocha e Bruno Alves foram expulsos. A monotonia foi chutada para canto. O FC Porto, sem necessidade, ansiou pelo final. Faltava pouco. E veio a festa azul!

domingo, 16 de maio de 2010

Liga ZON Sagres 2010-2011 a par e passo


ACOMPANHAMENTO TOTAL DA LIGA ZON SAGRES 2010-2011


Taça de Portugal: FC Porto-D.Chaves (antevisão)

Pólos opostos, diferenças incomensuráveis, uma barreira longa no meio. Também, contudo, uma semelhança a unir os dois finalistas da Taça de Portugal: ambos falharam os seus objectivos prioritários, estão no Jamor mas isso não apaga o campeonato, são noventa minutos à parte, o estado de espírito não é o melhor. O FC Porto viu-se suplantado pelo Benfica e pelo Sp.Braga, perdeu a hipótese de conquistar o pentacampeonato e, inclusive, de jogar na Liga dos Campeões na próxima temporada. Deixou o trono, ficou em terceiro na Liga. Vencer a Taça de Portugal é, por isso, uma obrigação, uma necessidade, uma carência. O Desportivo de Chaves chegou extraordinariamente ao Jamor, teve uma recuperação fantástica ante a Naval, pode alimentar o sonho, ser um novo David perante o Golias azul, deixar a lógica para trás e marcar a História. Apesar de deprimido pela descida à II Divisão.

Sejamos honestos, tirando os meios-termos, falando com clareza: o FC Porto tem que vencer a Taça de Portugal. Será essa a oportunidade de os dragões terminarem em beleza, chegando à décima vitória consecutiva, acabando a época exactamente da mesma forma como a começaram: a ganhar, conquistando troféus, juntando a Taça de Portugal à Supertaça Cândido de Oliveira assegurada, ante o Paços de Ferreira, na abertura oficial da época desportiva em Portugal. O FC Porto está no seu melhor momento da temporada, soma triunfos, muitos deles com resultados avolumados, parece finalmente ter despertado e encontrando capacidade para mostrar a sua qualidade. No campeonato de nada valeu. Pode valer, no Jamor, a décima quinta Taça de Portugal do seu historial, uma prova que os portistas têm o hábito de vencer. O Desportivo de Chaves corre por uma oportunidade única.

Este poderá ser, ainda, o ponto final na ligação de Jesualdo Ferreira ao FC Porto. O professor, natural de Mirandela e com ligações afectivas a Trás-os-Montes e ao próprio Desportivo de Chaves, quererá sair da melhor forma, repetindo a conquista da Taça de Portugal para deixar os dragões levando seis títulos na sua bagagem pessoal. Para isso, o FC Porto terá de ser igual a si próprios, não cair na tentação de interiorizar a vitória ainda antes de alcançada, permitindo que o Desportivo de Chaves acredite que pode ser feliz. Assumindo-se como favorito, sim, nunca subjugando o adversário, jogando com pouco empenho ou limitando-se a fazer os mínimos exigíveis. A Taça de Portugal tem essa magia, é capaz de colocar os mais fracos em superioridade perante os mais fortes. Como David fez com Golias. É o que Tulipa pretende. Conhecendo a realidade e sonhando.

No FC Porto, depois de poupados ante a União de Leiria, na última ronda do campeonato, Bruno Alves e Raúl Meireles estão de volta para entrarem directamente na equipa inicial. Esta poderá ser, também, a despedida dos dois internacionais portugueses, dois capitães e símbolos dos triunfos do passado recente dos portistas. Para além deles, há ainda o regresso de Helton, depois de uma lesão na mão o ter afastado, embora deva ser Beto, confiante pelas últimas prestações e radiante pela chamada ao Mundial da África do Sul, a assumir a baliza do FC Porto. Em relação ao Desportivo de Chaves, percebendo toda a envolvência de uma final de Taça, Tulipa convocou todo o plantel. É legítimo, embora difícil, que os flavienses acreditem numa proeza. Seria o seu ponto alto, logo após terem caído no abismo. Será o Chaves capaz de entrar para os livros da história do futebol?

sábado, 15 de maio de 2010

Opinião: Os bons malandros do Benfica


Nos bons malandros de Mário Zambujal havia um pacífico, um justiceiro, um doutor e um figurante. Este Benfica é também um conjunto de bons malandros. Aimar, por exemplo, pode perfeitamente ser O Pacífico. El Mago é um jogador de grande valia, talentoso como poucos, capaz para desbloquear situações de aperto, dar alegrias, ser a chave da glória. Não tem o fulgor de outrora, o físico não acompanha a mente, a cabeça quer mas o corpo não deixa, é um jogador delicado. Não pode jogar sempre. Ao longo de toda a época, a situação de Aimar, a sua utilização ou não, foi irregular. Jogou aqui, desapareceu ali e reapareceu em grande. Não foi constante na equipa ao longo da época, Carlos Martins destacou-se. Nem por isso perdeu força. Bem pelo contrário, só beneficiou com o facto de haver alternativas. E percebeu-o. Conhece as limitações. Por isso foi pacífico, não contestou.

Óscar Tacuara Cardozo está na área. Parado, lento, pouco móvel. Recebe a bola nos pés. No alto do seu metro e noventa e três parece desleixado. É corpulento e pouco hábil. Prepara o pé esquerdo, olha para a baliza, encontra um espaço vazio e puuum!. O público exulta, salta das cadeiras, ergue bandeiras, festeja. Cardozo dispara para saborear o momento. Foi golo. Cedo cai a capa de não ter pézinhos para jogar futebol. Há ali muito talento. Não lhe peçam dribles, jogadas de encantar, passes de letra para rasgar as defesas adversárias, toques em habilidade. Para isso, no Benfica, estão lá Di María ou Pablito Aimar. A Cardozo só se pedem golos. É o trabalho dele, o que realmente sabe fazer, onde é bom a valer. E ainda continua a ser visto de lado por alguns adeptos benfiquistas: não tem pé direito, não aproveita a altura, é paradão...

Ser o melhor marcador de uma equipa, contribuir com golos decisivos, dois deles na festa do título marcados com... ambos os pés!, e não merecer total crédito dos adeptos deve ser frustrante. É como trabalhar e trabalhar, fazer bem a função, por vezes não conseguir ser sempre melhor do que os outros, ter um dia mau, e não ver esse trabalho recompensado por quem está de olho atento. Nem uma palmadinha nas costas, um bom trabalho!, um cumprimento, nada. Cardozo está nessa posição. Foi o melhor marcador do campeonato e da Liga Europa. Apesar de não ser plenamente reconhecido como um dos heróis do Benfica, marcou, ao todo, trinta e sete golos. Mas, como no livro, também aqui há um O Justiceiro. Chama-se Jorge Jesus. Acreditou sempre, sempre, até quando Cardozo não correspondeu e perdeu confiança. Ganhou a aposta.

Na temporada passada, com Quique Flores, Cardozo estava no banco. Tinha à sua frente David Suazo, avançado móvel, rápido, perfeito para encaixar na filosofia do treinador espanhol. O Benfica pretendia dinâmica, não centralização do seu futebol num único jogador que deveria resolver tudo sozinho. Seria arriscado. Quando a época se aproximava do fim, com Suazo lesionado e sem nada para o Benfica conquistar, Quique deu uma oportunidade a Cardozo. O paraguaio correspondeu. Sabem como? Marcando golos - não era difícil de acertar. Quique Flores terá percebido o seu erro. Não havia volta a dar. Com Jorge Jesus, o tal justiceiro, Tacuara conseguiu a sua melhor época de sempre no Benfica, foi produtivo como nunca, fez sonhar os encarnados. A justiça de Jesus alarga-se a David Luiz. Antes imaturo, agora uma pérola.

Na temporada passada, com Quique Flores, David Luiz estava no banco. O Benfica estava carente de um defesa-esquerdo, o treinador espanhol deslocou o central, apostou na sua ideia, levou-a até ao final. Esta época, em Liverpool, Jorge Jesus fez o mesmo. O resultado foi o mesmo, sem tirar nem pôr, desagradável em ambos: o Benfica não ganhou um lateral, perdeu um central de imenso valor. David Luiz tem culpa? Não. A posição dele há-de sempre ser a de central, não lhe peçam o mesmo rendimento, alto, em dois lugares diferentes. Os treinadores é que foram malandros ao colocá-lo onde não deviam. Em Jorge Jesus, contudo, foi apenas essa vez em Anfield Road. Do potencial de David Luiz nunca ninguém duvidou. Sempre foi bem visto, acarinhado, predilecto dos adeptos. Tinha falhas. Jorge Jesus moldou-o. Tem mérito nisso.

Di María é um bom malandro no real sentido da expressão. Ar de despreocupado, cara desprevenida, alegria estampada nos olhos por ver uma bola à frente. Corre atrás dela. Tem-na nos pés, vai avançar, joga no pé esquerdo, finta um adversário, ergue a cabeça e remata. A bola entra. Culmina uma jogada individual, artística, sem as tácticas na mente, só pensando em ser belo para quem vê e eficaz para quem está no banco a gesticular. Todos ficam a ganhar. É um jogador sensacional, com passes de letra e remates em arco pelo meio, cresceu muitíssimo, alia a genialidade à eficiência, está um doutor da bola. O Doutor. Por vezes ainda cai na tentação de tentar abrilhantar o que por si só é incomum, quer dar um toque a mais, perde-se na imaginação de tantas fintas. Mas é algo cada vez mais raro de acontecer. Porque, mesmo malandro, sabe bem o que quer.

Falta O Figurante. Não que aqui seja alguém mal-sucedido ou incapaz de sonhar com voos mais altos, tal como era Arnaldo. Figurante, aqui, pode ser Javi García. Não foi um actor principal na caminhada do Benfica, nessa longa-metragem para o título nacional, viveu na sombra de outras estrelas com maior brilho, mas foi de extrema importância. Jogou sempre que esteve disponível, não se viu ultrapassado, manteve a bitola elevada. Javi García funciona como suporte desta equipa do Benfica, como elo de ligação entre a defesa e o ataque, é ele quem começa a destruir e a construir. Mas tal como Quim, por exemplo, aparece em segundo plano. É, apesar disso, um jogador fundamental para o equilíbrio, a segurança e a dinâmica do Benfica. Nem todos, contudo, podem aparecer na linha da frente. Uma equipa é precisamente isso: a união entre estrelas e figurantes.

Made In England: A materialização do sonho blue

Aí está o momento que Abramovich esperava há quatro anos, desde a última vez que Chelsea foi campeão. Não só o troféu está de volta a Stamford Bridge como também foi assegurado com uma vitória estrondosa, com oito golos sem resposta, sobre o Wigan - com dois tentos de Anelka, um de Lampard (de grande penalidade que Drogba queria marcar e, como não o deixaram, o levou a fazer birra até ao intervalo), um de Kalou, um hat-trick de Didier Drogba e mais outro de Ashley Cole. Num contexto histórico, esta vitória foi a maior de sempre do Chelsea no escalão principal de futebol em Inglaterra. Os blues terminaram o campeonato com uns fantásticos 103 golos marcados, mais do que qualquer outra equipa na Premier League desde o Tottenham em 1962-63 (quando o futebol era bem diferente). É absolutamente destacável e digno de registo. Para a história pode também ficar a primeira “dobradinha“ do clube, isto caso ganhem a final da FA Cup contra o Portsmouth. As apostas favorecem o Chelsea, mas...

Para o dono do Chelsea é o concretizar de um sonho, ter uma equipa de ataque, a marcar golos, com bom futebol e a ganhar campeonatos. Claro que a comparação cai sobre os dois campeonatos conquistados com José Mourinho, onde os blues marcaram setenta e dois golos em trinta e oito jogos. Com Carlo Ancelotti, marcaram mais trinta e um averbando uma média de uns impressionantes 2.71 golos por jogo. Pode ainda não ser o Barcelona de Azul que o magnata Roman Abramovich sonhava, mas fica provado que um futebol fluído e com menor rigor táctico não é incompativel com a conquista de títulos. Regressando ao jogo do passado fim-de-semana, o Wigan estava mesmo a pedir a humilhação que sofreu. Chegou a Stamford Bridge já de férias, sem nada para ganhar ou perder e foi incapaz de oferecer qualquer resistência. Mesmo o facto de ter jogado com dez durante cerca de uma hora não justifica tal apatia.

Quanto aos restantes jogos da última jornada da Liga Inglesa, apenas duas surpresas. A derrota da equipa revelação deste ano, o Tottenham, frente ao despromovido Burnley, por 4-2 - até porque os spurs, comandados por Harry Redknaap, eleito treinador do ano em Inglaterra, chegou a ter uma vantagem de dois golos. No entanto, o quarto lugar e a presença na Liga dos Campeões já tinham sido assegurados pela equipa do Tottenham, uma vez que, a meio da semana, venceu na casa do Manchester City, o concorrente directo. Ainda a destacar, embora já não constitua uma total surpresa, mais um empate do Liverpool. Foi mais um desaire para juntar uma época desastrosa que culmina num péssimo sétimo lugar. Resta-nos a final da FA Cup, este sábado, para terminar a época em Inglaterra. Depois, venha a emoção do Mundial da África do Sul. Já todos começamos a suspirar pela maior prova do mundo futebolístico.

PS: Um último registo para Drogba - que partia empatado em golos com Wayne Rooney na corrida pela Bota de Ouro. Quando Lampard não o deixou marcar a grande penalidade, aos trinta e um minutos da primeira parte, demonstrou o seu descontentamento (talvez com alguma razão...) e desinteressou-se da partida de tal forma que, no intervalo, Ancelotti teve que o chamar à razão. Na segunda parte voltou lutador, marcou um hat-trick e garantiu o estatuto de melhor marcador da Premier League, com vinte e nove golos.

MADE IN ENGLAND é um espaço quinzenal, assinado por Armando Vieira, que incide sobre o mais apaixonante campeonato mundial

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Liga Europa: O triunfo do Atlético de Madrid

O Atlético de Madrid é uma equipa inusitada. É irregular, deriva entre dois extremos com grande facilidade, não consegue manter-se sempre em cima, vive de momentos, não tem um rendimento uniforme e rectilíneo. Não é, nem pouco mais ou menos, uma das equipas mais fortes da Europa. Não é um colosso, um papão, alguém que faça tremer. Tem qualidade, sim, principalmente no ataque, com Forlán e Agüero, mas é permeável na defesa, tem brechas evidentes que podem ser bem aproveitadas. No entanto, o Altético de Madrid, dos portugueses Simão e Tiago, venceu, ontem, a primeira edição da Liga Europa. Bateu o Fulham, uma sensacional formação que, também, surpreendentemente chegou à final, conseguiu aprimorar a temporada em que falhou um novo acesso à Liga dos Campeões. Quique Flores voltou a triunfar.

Quando o Atlético, caído da Liga dos Campeões, vergado pelo FC Porto no penúltimo jogo a uma derrota por três golos no Vicente Calderón, uma derrota natural face ao que ambas as equipas haviam demonstrado até então, os colchoneros foram vistos como um adversário acessível para o Sporting. O empate alcançado pelos leões em Madrid, jogando uma hora com menos um jogador, apesar de não ser satisfatório, foi encarado como um resultado favorável à progressão da equipa portuguesa. Em Alvalade, o Atlético serviu-se da inspiração de Kun Agüero, foi letal nas oportunidades que teve, o Sporting dominou sem proveito, ficou de fora. A defesa espanhola falhou, é certo, e sofreu dois golos. Mas espondeu com outros dois e seguiu em frente. O Alético de Madrid é, portanto, a imagem ideal da máxima de que a melhor defesa é o ataque.

Ultrapassado o Valencia, usando a mesma fórmula da eliminatória ante o Sporting, um nulo caseiro e um empate a dois na casa do adversário, o Atlético de Madrid encontrou um Liverpool fortalecido por uma vitória categórica sobre o Benfica e rotulado como equipa mais forte para marcar presença na final de Hamburgo. Diego Forlán, avançado uruguaio, sobressaiu em ambos os jogos, foi um diabo constante para os reds e um abono de família para Quique Flores. Decidiu: marcou o tento da vitória no Vicente Calderón, marcou outro em Anfield Road, que, apesar da derrota, permitiu aos colchoneros seguirem para a final. Sem jogarem bem, sem serem uma equipa sólida, sem levantarem ondas. Atingiram o objectivo correndo por fora, jogando à parte. Caiu o estatuto de equipa débil e incapaz, pôde ser feita História perante o Fulham.

Na arena de Hamburgo, o Atlético saiu por cima. Entrou melhor, procurou ser mais incisivo para a baliza de Mark Schwarzer, pareceu sempre a equipa com melhores sob o relvado. Essa é, aliás, uma tendência que se comprova, uma vez que o Atleti conta com melhores individualidades do que os ingleses, onde sobressaem Zamora ou Gera. Foi igual a si própria: pragmática, sem brilho, servindo-se de Diego Forlán. O uruguaio voltou a ser decisivo: marcou dois golos, pelo meio Simon Davies deu esperança à extraordinária equipa do Fulham que cavalgou até à final, concedendo ao Atlético, comandado por Quique Flores e com Simão Sabrosa a titular, a oportunidade de festejar a conquista de um troféu, interrompendo um hiato que começara já em 1995/96 após as vitórias no campeonato e na Taça do Rei. Sem espectacularidade, o Atlético de Madrid voltou a sorrir.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Liga Sagres: A consagração do Benfica e um golpe de teatro

ANÁLISE

Agora, sim, as decisões teriam de ser tomadas. Não havia volta a dar. Sem adiamentos, sem meias-palavras, sem hipóteses de fuga. O título e uma vaga na Liga Europa por atribuir. Sem surpresa em relação ao campeão: o Benfica venceu o Rio Ave, confirmou o seu favoritismo, arrecadou o trigésimo segundo campeonato da sua história, culminou uma temporada de sucesso. Os encarnados, contudo, nem precisariam de somar os três pontos, uma vez que o Sp.Braga não conseguiu mais do que um empate ante o Nacional - que, assim, comprometeu as aspirações de chegar ao quinto lugar. O Vitória de Guimarães necessitava só de um empate, também, mas perdeu e viu-se ultrapassado pelo Marítimo na luta pelo último posto europeu. Os madeirenses estarão na Liga Europa.

Noventa minutos e um ponto para conquistar. Era somente o que faltava para o Benfica confirmar o trigésimo segundo título do seu historial, sem ter de pensar em resultados de terceiros, dando asas à coroação de uma caminhada triunfante, superior e meritória dos encarnados. O golo de Cardozo, aos três minutos, logo seguido de uma expulsão de Wires, aos onze, desbravou caminho à cavalgada benfiquista, galvanizado pelo público, empurrado para a vitória, levado por uma mole humana sedenta de conquistas. Houve oportunidades mais do que suficientes. Não foram, contudo, concretizadas. Ricardo Chaves, médio do Rio Ave, ameaçou a festa. Jorge Jesus acelerou o passo na área técnica, a tensão subiu, o coração apertou. Até Cardozo, de novo decisivo, confirmar o triunfo. O Benfica ganhou, encheu-se de alegria, expodiu para os festejos, gritou pelos jogadores, enfim, fez a sua festa. É campeão nacional. Merecidamente.

Uma vitória para o Sp.Braga sonhar, permitindo centrar atenções na Luz, à espera de uma inusitada ajuda do Rio Ave culminante num desaire do Benfica. Ainda havia fé. Porém, antes de querer ganhar em campo alheio, os bracarenses tinham de cumprir a sua missão, vencendo na Madeira, deixando para trás o Nacional. Os madeirenses são uma boa equipa, apesar de uma descida de rendimento após a saída de Rúben Micael, ganham maior força quando jogam no seu território. Não seria fácil. O Sp.Braga tentou dominar, mostrou vontade de resolver. Mas o precoce golo de Cardozo para o Benfica atirou o sonho do título para canto. Os minutos passavam, o Benfica não quebrava ante o Rio Ave, a missão era cada vez mais improvável de concretizar. Edgar Silva marcou para o Nacional. Poderia ter sido o fim do Sp.Braga. Os arsenalistas, contudo, acreditaram ser possível. Renteria empatou, deu novo alento. Não chegou.

O que havia realmente para o FC Porto disputar ante a União de Leiria? Quase nada. Ou nada se exceptuarmos a vontade de levar Radamel Falcao, jogador que tantos golos deu aos portistas nesta temporada, ao topo dos melhores marcadores. Essa premissa até foi cumprida, pois El Tigre fez dois golos, saltou para o trono dos goleadores, ficando para ver o que Óscar Cardozo faria ante o Rio Ave. Tacuara também marcou dois, o bis do título, com isso as pretensões de Falcao esfumaram-se no dia seguinte ao triunfo azul. A exibição do FC Porto pode perfeitamente resumir toda a época. Teve duas faces: uma primeira parte enfadonha e apática, uma segunda capaz e triunfante. No meio da passividade azul, o União colocou-se em vantagem, marcou por Cássio, procurou travar o ciclo vitorioso dos portistas. O dragão despertou, respondeu com quatro golos após o descanso, virou o resultado em quatro minutos. Mostrou a sua fibra.

De um jogo entre uma equipa condenada à descida de divisão, sem natural assomo de motivação, com outra que falhou a toda a linha, se encontra demasiado longe das decisões a que está habituada e tem os olhos postos na próxima época, nunca se poderia esperar um jogo emotivo e de nível elevado. O Leixões está deprimido pela descida às trevas no seguimento de uma época carregada de equívocos, o Sporting pretende despedir-se rapidamente desta temporada para que depois, sim, possa preparar convenientemente o seu futuro e evitar a repetição dos mesmos males. Este encontro serviu, ainda, para marcar a despedida de Carlos Carvalhal do comando dos leões. Saiu com uma vitória. Tangencial. Contudo, o Sporting ganhou bem, com golos de Veloso e Pedro Silva, João Paulo ainda tentou baralhar, mas nada mais do que isso. A vitória, essa, estava feita. O Leixões acaba em último. Sai pelos fundos.

Uma inesperada mudança na luta pela Liga Europa: em Guimarães, ante o Vitória, o Marítimo venceu (1-2) e, também beneficiando do empate do Nacional frente ao Sp.Braga, conseguiu chegar ao quinto lugar final. Os madeirenses, após terem estado praticamente afastados, garantiram, in extremis, a última vaga para a Liga Europa, deixando o Vitória de Guimarães de fora - um final cruel, verdadeiramente de pesadelo, para os vimaranenses. Destaque ainda para a vitória do Belenenses (a quarta da época, segunda consecutiva após ter sido confirmada a descida de divisão), por 1-2, ante o Vitória de Setúbal, que permite à equipa do Restelo deixar o último lugar, em troca com o Leixões. A Académica finalizou, por força da vitória ante a Naval (0-1) e da derrota do Rio Ave com o Benfica, no décimo primeiro posto. Paços de Ferreira e Olhanense, duas equipas com objectivos alcançados, empataram a dois.