quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Futebol: risco, loucura, paixão, garra, querer



Ponto prévio: o futebol tem que ter risco. Risco, loucura, paixão, garra, querer. Só assim poderá haver um jogo memorável, gravado para a eternidade, recordado em qualquer compêndio, algo verdadeiramente especial. Pragmatismo em demasia, zero risco e segurança total poderão dar um bom jogo? Não, claro que não. Muitas vezes é essa a fórmula do sucesso, as equipas deixam de lado o espectáculo, jogam um futebol cínico e matreiro, buscam a vitória. Se não der para juntar o agradável, não há problema, importa é garantir o essencial. Certo, afinal é de vitórias que se alimentam e quem pretende sucesso tem de ganhar, não ser espectacular. Para os adeptos, é diferente.

Nenhum adepto gostará de ver a sua equipa ganhar sem convencer. A vitória está garantida, o clube cumpriu o objectivo para aquela partida, mas não foi totalmente bom, faltou alguma coisa, o treinador foi calculista, os jogadores tiveram receio de errar. Um mínimo erro, já se sabe, poderá muito bem ser fatal e deitar a perder todo o trabalho desenvolvido até então. Assim, por essa lógica, não terá sido bom jogar pelo seguro? Sim, mas o futebol dispensa qualquer tipo de lógica. Nada é exacto, um jogo é capaz de desmentir qualquer teoria que se conceba. Para o amante de futebol pouco se jogou. Não houve risco. Por aí, se percebe que a essência do futebol ficou para trás, esquecida.

Em muitos desses jogos resulta um empate. Um nulo. Um jogo de futebol sem golos é o mesmo que um filme de Western sem tiros. Se o leitor ainda não está bem convencido, se ainda pensa que um jogo de paciência, além de bom para a equipa que o vence, favorece o futebol: quantos jogos sem loucura, sem paixão, sem emoções fortes ficaram na História? O futebol-espectáculo tem que ter duas equipas em busca da vitória, procurando ser superiores ao adversário, jogando melhor. Por isso mesmo, por aliar tão bem a eficácia ao brilhantismo com que os seus jogadores se apresentam, o Barcelona é a equipa que enche as medidas ao amante de futebol. Percebe-se porquê.

A Liga dos Campeões coloca em confronto as melhores equipas dos mais variados países. Inglaterra, Itália, Espanha, gigantes, dominadores do futebol europeu, com os seus representantes frente a frente. Há magia, há paixão, há a vontade de triunfar e chegar ao trono de melhor equipa do continente. Proponho-lhe, então, leitor, que recuemos até Maio de 2005. Um ano depois de o FC Porto ter tocado o céu na Alemanha. Em Istambul, Liverpool e AC Milan, colossos mundiais, com os olhos postos no troféu. Um representante inglês, vindo do campeonato mais apaixonante do planeta, frente a um italiano que previligia o resultado em detrimento do bom futebol. Mundos desiguais.

O Milan entrou a ganhar. Paolo Maldini, eterno capitão, marcou no primeiro minuto. Estava aberto o caminho para a glória. Crespo marcou mais dois, tudo rosas, antes do intervalo o Liverpool estava vergado, derrotado, sem forças. Três-zero, nada tiraria a vitória aos matreiros italianos, jogo resolvido. Calma! Estamos a falar da Liga dos Campeões, onde tudo acontece, onde a magia é superior a qualquer táctica, onde o resultado é imprevisível. Estavam ali duas das melhores equipas mundiais. O Liverpool ainda teria uma palavra, quanto mais não fosse para atenuar o resultado, para não deixarem os adeptos corados de vergonha. Mas... recuperar de três-zero?

Só seria possível com uma ambição enorme, com uma auto-estima elevadissíma e, acima de tudo, uma fé inabalável. A diferença no resultado pesava, grande como a distância entre Inglaterra e Itália, mas os jogadores ainda acreditavam ser possível. Podiam ser os únicos, não importa. E chegaram somente seis minutos. Entre os cinquenta e quatro e os sessenta, tudo mudou: Gerrard reduziou as diferenças, Smicer encurtou para um golo, Xabi Alonso empatou. Num ápice, louco e mágico, estava tudo do avesso. Chegou o prolongamento, depois os penaltis. Seria demasiado cruel que uma equipa que conseguiu tal feito, perdesse na lotaria. Ganhou! A sorte também lá esteve.

A final de Istambul ficou marcada. Ou melhor: imortalizada, foi a melhor da década, uma final onde uma vitória fácil de uma equipa deu lugar a uma recuperação soberba de outra. Um jogo louco, verdadeiramente incrível, cheio de querer. Derrotados por três golos ao intervalo, poucos se manteriam convictos de que ainda era possível virar o sentido da vitória. Muitos terão pensado: não resultou, fica para a próxima. Numa final de Liga dos Campeões? Nada disso, ainda há quarenta e cinco minutos pela frente, ainda há hipóteses, mostraram-se firmes os reds de Liverpool. A crença resultou. No futebol, por vezes, acreditar no próprio valor é a melhor táctica. A Hard Day's Night.

2 comentários:

FutebolStorming disse...

Excelente texto. Parabéns!

De facto esta final de Istambul irá perdurar durante muito tempo. Que jogo, que emoções! O futebol no seu esplendor!

http://futebolstorming.blogspot.com

Onde o futebol é visto a quatro dimensões! Visitem!

Jornal So Desporto disse...

Grande Artigo!