sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Manual de sobrevivência para a Liga Sagres

Mudança de década por vezes representa mudança de rumo. Está bem presente na cabeça dos adeptos portistas o falso ataque ao “Bi-Tri” que morreu no pés de Beto Acosta numa noite de Primavera no velhinho estádio de Alvalade. Também estávamos em mudança de década, também o Porto vinha de uma série espantosa de títulos (o histórico Penta) e também então os dragões pareciam invencíveis. Mas não o foram. O mesmo medo vive agora de novo nas Antas porque se há alguém que tem algo a perder este ano, esse alguém é o FC Porto.


Jesualdo Ferreira parte com a vantagem de ser campeão e a desvantagem de ter de repetir o feito. E, preferencialmente, sem tanto sofrimento. O FC Porto demorou na época passada a atacar o título e passou uma volta de enfarte. Este ano com as mudanças-chave no plantel torna-se mais exigente ainda não falhar no início, todo o contrário do que se viu em Paços de Ferreira. A “Hulkdepêndencia” pode ser a cruz dos azuis que sem a conexão argentina de luxo tem de reconstruir, uma vez mais, uma equipa que parece ter um dom especial em renascer das cinzas. Os portugueses Bruno Alves e Raul Meireles serão os senhores do balneário e de Falcão, Hulk e Rodríguez esperam-se os golos que tão pouco se viram no ano passado. Os dragões são favoritos mas devem provar em campo esse favoritismo.


Se os azuis e brancos são os favoritos reais, o SL Benfica é o favorito da pré-temporada. Os encarnados desataram (mais uma) onde de euforia ao vencer os troféus a feijões disputados ao largo do Verão mas chegados ao jogo inaugural não fizeram melhor que os rivais e empataram na Luz. No entanto o Benfica deste ano tem reais opções ao titulo (ao contrário de todas as equipas dos últimos quatro anos) e com Jesus ganha em coerência táctica e atitude. O plantel melhorou consideravelmente e tem várias opções para cada posição. O sistema táctico parece claro e o onze-tipo também mas o problema do Benfica este ano será sempre a pressão de vencer. Os investimentos ultrapassaram o racional para um clube sem retorno financeiro e para além da Liga estão forçados a ganhar o máximo de jogos na Europe League para conseguir compensar a enésima ausência da Champions League.


Por sua vez há ainda o Sporting, e ainda porque os leões este ano estão claramente mais débeis que nos anos passados. Depois de quatro segundos lugares consecutivos, os comandados de Paulo Bento deveriam ser a alternativa ideal ao FC Porto mas o onze continua igual, sem reforços capazes de colmatar os muitos problemas, particularmente no eixo defensivo. Numa equipa cada vez mais dependente de Liedson e do trabalho de Moutinho e Veloso (quando Bento se lembra da sua posição de origem) vai ser curioso ver até que ponto a fragilidade defensiva pode atirar o Sporting para fora da luta pelos títulos.


Braga e Nacional são, em teoria, as únicas alternativas credíveis aos grandes, mas continuam sem ter o peso e dimensão suficientes para chegar ao brilharete do Boavista. Muito por culpa das tão necessárias vendas de Verão que privaram os insulares de Maicon e Nené e os bracarenses de César Peixoto e Luís Aguiar. O conjunto madeirense tem em Rúben Micael o seu patrão e em Manuel Machado um técnico de altíssimo nível e a Choupana será sempre um fortim complicado de ultrapassar. Consolidar-se no quarto posto é o objectivo. Já o Braga procura vencer um título oficial e voltar a ombrear directamente com os grandes mas Domingos Paciência tem ainda muito que provar como técnico e a acutilância ofensiva que tinha como jogador ainda não foi transmitida a um onze onde a revelação é o regresso de Hugo Viana a Portugal.


Marítimo e Vitória de Guimarães, crónicos europeus, e Académica e Paços de Ferreira, treinado brilhantemente por Paulo Sérgio, são os grandes candidatos a fazer uma época tranquila, salvos os habituais altos e baixos. Aos primeiros exige-se a Europa, algo complicado quando as vagas escasseiam. Aos segundos, qualquer coisa acima de metade da tabela é luxo.


Restam os sempre eternos candidatos a não descer, as equipas que lutam pelo empate antes de entrar em campo e que sabem que perder será a tónica habitual da temporada. Entre os históricos Belenenses e Vitória de Setúbal há um grave problema financeiro e de preparação que os fazem presas fáceis, mas João Carlos Pereira e Carlos Azenha são técnicos de futuro e será curioso seguir a sua evolução. Leixões, Naval e Rio Ave serão os sofredores naturais, com os primeiros longe do nível do ano passado e os verde e brancos a sofrer desde o princípio. A Olhanense – que com os emprestados mais se assemelha a um FC Porto B – e União de Leiria resta a esperança de que a diferença entre os últimos da Liga Sagres e os promovidos da Liga Vitalis é cada vez menor, sendo possível sonhar em fazer desta uma viagem de bilhete sem regresso marcado.


Uma liga sem estrelas, uma liga sem espectáculo garantido a principio, a Liga Sagres vive o fantasma das muitas faltas, dos poucos golos, dos estádios vazios, das arbitragens polémicas, dos três jornais desportivos e das declarações fora de tom de quem devia trabalhar na sombra. Uma liga onde o jogador não fala, o treinador é amordaçado e o dirigente endeusado. Uma liga onde o futebol dura nem quase uma hora quando o bilhete é de 90 minutos. Uma liga tingida de azul e branco que este ano tem de ter cuidado com a roupa, não vá ela tingir-se de vermelho ou verde. Uma liga onde não seria possível sobreviver sem uma boa dose de paciência.


Análise de Miguel Lourenço Pereira, blogger do Em Jogo


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