domingo, 23 de agosto de 2009

Entrevista a Pedro Azevedo - Parte 1



Falta ainda mais de uma hora para a última edição de Bola Branca no dia 21 de Agosto de 2009. A última da semana, marcada para as 22h30. Em ponto, sem qualquer atraso. Pedro Azevedo procura novidades e ultima os textos para que tudo corra bem. Será mais uma edição na carreira, ultrapassada que está a barreira das vinte mil. No entanto, os cuidados têm de ser sempre os mesmos. Afinal, nada pode escapar ao ouvinte. Pelo meio, com um olho no jogo que dá na televisão e outro no gravador, ainda há tempo para uma entrevista. De cerca de quarenta minutos que voaram. Já está tudo?!

"SER JORNALISTA É UMA PROFISSÃO DESGASTANTE"

FUTEBOLÊS: Como foi o início no jornalismo desportivo?
PEDRO AZEVEDO: Foi em 1985 numa rádio local, a Rádio Onda Verde, da Póvoa de Varzim, onde eu era um dos "accionistas" dessa estação pirata e era necessário fazer os relatos do Varzim - eu sou da Póvoa - porque tínhamos publicidade para esses jogos. Entendeu-se, numa reunião entre mim e os restantes directores dessa estação, que deveria ser eu a fazer, porque tinha sido atleta do Varzim (joguei em todos os escalões, dos infantis aos juniores) e estava mais identificado com o fenómeno e poderia fazer os relatos. Sempre gostei muito de ouvir relatos, sempre gostei muito de jornalismo e, naquela altura em que ainda era estudante do ensino secundário, entendeu-se que eu poderia fazer o jogo. Fiz aquele e até hoje não parei.

F: Noutra entrevista, disse-me que não se sentia um bom relator mas é considerado um dos melhores a nível nacional. Quem está errado, afinal?

PA: Quem qualifica o relator é o ouvinte, não é o relator. Por isso é que eu afirmei e mantenho...

F: Mas, na sua opinião, não é um bom relator?
PA: Eu tento fazer sempre o meu melhor e nesse contexto considero-me um bom relator, no sentido de fazer sempre o melhor que posso, que sei e que procuro ser. Agora, quem deve qualificar o relator é o ouvinte. O desporto, os relatores e as emissõe
s desportivas da Renascença têm uma franja de ouvintes muito certa e durante muitos e muitos anos não temos oscilações das nossas audiências, o que prova que há uma fidelidade grande, que há uma adesão grande e também uma coisa que nos dá muito prazer e nos enche de satisfação é saber que as pessoas acreditam em nós e não optam por outras estações.

F: Há um Pedro Azevedo relator e um Pedro Azevedo da Bola Branca?
PA: Sem dúvida, sem dúvida nenhuma!, até porque quando fui convidado para vir para a Renascença foi apenas para relatar futebol. Pouco tempo depois fui convidado a ficar cá, a fazer a Bola Branca e a entrar para os quadros da casa. Adoro relatar...

F: Era exactamente isso que lhe ia perguntar: qual prefere?
PA: Eu gosto mais de relatar. Gosto mais porque entendo que o relato é uma arte para a qual se nasce. Eu penso que não é possível fazer um relator desportivo, as pessoas ou nascem ou não nascem com vocação. Como os bons médicos, os bons juízes, os bons dirigentes, os bons políticos, enfim, eu penso que ou se tem esse dom ou não se tem esse dom. O relator desportivo precisa de ter o seu timbre, o seu estilo, a sua chancela, a sua assinatura e o seu cunho pessoal. Eu penso que tudo isto se enquadra numa única palavra: dom. O dom de relatar.

F: O relato é jornalismo ou entretenimento?
PA: É as duas coisas, sempre defendi as duas coisas. Não é uma tese que todos defendam, mesmo os mais experientes, os maiores nomes do jornalismo português e o maior nome do jornalismo português de sempre, para mim, é o Ribeiro Cristóvão e ele acha que não. Eu acho que sim porque o relato de futebol é a transmissão de ocorrências em simultâneo com o acontecimento que está a ser narrado, portanto isso é jornalismo, mas com sentido crítico. Para além disso também é arte, é espectáculo e isso é entretenimento. As duas coisas juntas dá o relato de futebol, é uma mescla.

F: Há quase três décadas que Bola Branca é um programa de referência na rádio. Acusa essa responsabilidade?
PA: Não, absolutamente. A responsabilidade é a mesma, o sentido de responsabilidade do jornalista tem que ser total, a sua imparcialidade e a sua forma de estar também. Se fosse um repórter no terreno teria de ter a mesma responsabilidade que tem o editor porque é preciso haver uma informação desportiva sempre muito responsável, muito certa, muito linear, sem desvios, sem processos ínvios e é isso que a Renascença tem feito ao longo destes anos com a Bola Branca que é, como se sabe, o programa desportivo mais antigo da rádio portuguesa - é mesmo o programa de rádio mais antigo em Portugal. Começou em 1980 e tem sido sempre igual na sua linha editorial, na sua credibilidade e também no seu sentido de responsabilidade.

F: Não sente que é sempre a mesma rotina?
PA: Sinto, isso às vezes sinto! Mais pelo desgaste que provoca e posso-lhe dar o exemplo prático de, no momento em que fui para férias este ano - e foi na segunda quinzena de Julho -, até esse dia eu tinha tido quatro dias livres em 2009. É uma profissão desgastante... Estamos agora a falar e estou a pensar numa edição que vou fazer às 22h30, numa coordenação e num relato que tenho de fazer no fim-de-semana. Para a semana estarei a pé às quatro da manhã para viajar para a Suécia, para um estágio da Selecção que depois me fará também fazer mais duas viagens para a Dinamarca e a Hungria, dez dias fora de casa. São muitas viagens, são muitos jogos, são oitenta relatos por ano, são cem edições de Bola Branca por mês. Estamos a falar em vinte mil edições ao longo da minha carreira, mil e quinhentos relatos de futebol, muito pouco tempo livre para a família, muito pouco tempo livre para mim próprio (até para me actualizar...) e há aqui um desgaste que acaba por ser pesado. Umas vezes mais e outras vezes menos, como em todas as profissões.

F: Continua a trabalhar com a mesma alegria do começo?
PA:
Evidentemente que essas coisas depois pesam um bocadinho mas, como vê, ainda tenho este espírito muito jovem [risos] mas reconheço que às vezes é desgastante. Repare que rádio é habituação, rádio é fidelização, rádio é pontualidade. Os programas são sempre à mesma hora, portanto um editor ou um apresentador não se pode dar ao luxo de dormir mais um bocadinho, não pode ser [risos] porque é preciso estar lá à hora certa e não se pode alterar isso. Estas rotinas, de facto, desgastam mas quem corre por gosto não cansa, sempre disse que para ter sucesso numa profissão é preciso interesse nela. Tem muito a ver, já o afirmei várias vezes, com o perfil de poveiro que tenho, embora não seja descendente de pescadores identifico-me muito com eles na sua raça, na sua tenacidade, na sua entrega, na sua forma de estar, no antes quebrar que torcer, na sua dádiva total. E como me identifico muito com eles e tenho muito orgulho de pertencer a essa família de gente devotada, de gente nobre, de gente trabalhadora, estou cá com todo o gosto e sabendo também que a Renascença no desporto vai tendo uma aceitação muito grande por parte dos ouvintes, o que nos deixa muito motivados para realizar o nosso trabalho.


4 comentários:

Francisco disse...

Isto é que é acordar bem de manhã, vir a este grande blog e ler uma entrevista do melhor jornalista desportivo português, o Pedro Azevedo.

Já aqui tinha comentado a outra entrevista e não poderia concordar mais com o que o Pedro Azevedo falou.

Ninguém apresenta a Bola Branca como ele. Os relatos são inconfundíveis, com toda a dedicação.

Compreendo que seja desgastante. Estamos a falar de um programa e de uma estação de referência em todo o país.

E depois também concordo consigo relativamente ao direito dos repórteres de não puderem falar com os jogadores. É lamentável.

Gostei de ler, falou muito bem. Muito sucesso e que continue nos grandes momentos do futebol do país e do FC Porto. É um orgulho ver o meu clube com o ouvido no seu relato.

Que cante muitos, muitos e muitos golos do FC Porto e que seja também você uma referência do jornalismo no penta. :P

Abraço, felicidades. E hoje vou estou lá para vê-lo e ouvi-lo no palco de todas as emoções, o Dragão.

Anónimo disse...

Bem, de facto deve ser mesmo desgastante. Ainda há umas horas ouvi o Pedro Azevedo no relato do jogo do Dragão e agora ouvi-o a apresentar (com voz ensonada) a primeira edição de Bola Branca.

Ricardo Costa disse...

Francisco,

Obrigado pelo comentário. Garanto-lhe que o Pedro Azevedo ficou sensibilizado com o que comentou na outra entrevista.

Anónimo disse...

Parabéns óptimas entrevistas a um excelente profissional.