terça-feira, 16 de junho de 2009

Dragão 4.0

Num ano de estreias repetiu-se a fórmula de sucesso que tem tingido a liga com nome de cerveja com um sabor bem tripeiro. Este dragão mostrou ser falível e vulnerável se se sabe onde apertar bem, mas feitas as contas, é preciso mais do que uns simples tropeções para colocar em causa uma série de vitórias históricas. 2008/2009 marcou o segundo tetracampeonato do FC Porto, um feito único na história do futebol português.Permitiu também a Jesualdo Ferreira, técnico esquecido durante gerações e que precisou de chegar à Invicta para lograr o primeiro titulo da sua longuíssima carreira, fazer história. Foi o primeiro técnico português a lograr um tricampeonato consecutivo. E o primeiro treinador a fazê-lo sob as ordens de Pinto da Costa. Marcado ainda pelo Apito Dourado, pela polémica com a UEFA no arranque da temporada, o presidente foi muito mais parco em palavras e actos, abrindo espaço para o técnico roubar o protagonismo de uma época pintada de azul e branco onde o colectivo falou mais alto que o individual. Este FC Porto não tem o talento e classe dos grandes dias. Não é letal com os rivais directos, tem dificuldades em jogar diante dos seus e a relação com o golo atravessa já períodos de grande complexidade.

Mas mesmo assim nesta prova maratoniana, tem pedalada suficiente para aguentar os sprints nervosos dos rivais. O SL Benfica arrancou demasiado cedo. Embalado pelo projecto do menino de ouro feito director técnico, os encarnados sonharam que era desta. Não foi. Em Dezembro acabou a gasolina e depois foi a desorganização absoluta numa armada bem montada na secretaria mas pessimamente gerida em campo por um técnico espanhol que nunca percebeu que estava a jogar a Portugal. Já o Sporting arrancou tarde para a liga. Depois de se ter concentrado na Champions, onde logrou um histórico (e mais tarde anedótico) apuramento para os oitavos-de-final, os leões de Paulo Bento lembraram-se de que o campeonato termina à jornada 30 e sonharam com voltar a um título que lhes escapa há oito anos. Nada a fazer. Equipa demasiado curta, balneário demasiado problemático, técnico excessivamente conservador, mistura de risco para qualquer clube que quer ser algo mais que um eterno segundo. E lá vão quatro anos a servir de escudeiro ao campeão.

Fora do espectro dos três grandes – cada vez menos real face ás gritantes distâncias entre FC Porto e perseguidores – a prova foi também do Leixões, Braga e Nacional. Os primeiros arrancaram como Usain Bolt e lograram liderar um campeonato pela primeira vez. Um onze pequeno e sem ambições que perdeu goleador e perdeu o faro de golo arrastando-se na segunda volta até terminar num digno sexto posto. Muito para quem pedia tão pouco. No espectro inverso o Braga. Excelente na UEFA, desanimador na Liga, os bracarenses ambicionavam intrometer-se na luta pelo titulo e chegaram a sonhar, não fossem os árbitros e algum erro de palmatória de Jesus, esse profeta que a Luz espera com fervor. Um onze bem montado e ofensivo valeu-lhe alguns problemas em jogos fora de casa e apesar de ter feito a prova de trás para a frente, nos últimos metros os vermelho e brancos deitaram a toalha. E abriram passo ao Nacional, sempre regular, sempre eficaz. Com dois craques de sotaque brasileiro (Maicon e Nené, duas das figuras da prova) e uma jovem armada de talentos pescados em águas nacionais, na Choupana o ano foi tranquilo e o prémio meritório. Volta à Europa e para o ano espera-se mais de um clube que já é o número um da Madeira.

Vitória de Guimarães e Marítimo (decepcionantes desde o princípio), Académica e Estrela da Amadora (excelentes exemplos de dedicação diante de adversidades, os primeiros que só pecaram nos jogos fora e os segundos que passaram o ano sem receber) e Paços de Ferreira e Naval 1º de Maio (sempre aflitos) marcaram o miolo da tabela, sempre com a cabeça na desgraça alheia e sem capacidade de incomodar mais acima. Na última jornada, o desespero habitual levou consigo mais um histórico campeão (o segundo em duas épocas), o desamparado Belenenses, e o novato Trofense, sem ritmo ainda para estas coisas. Salvaram-se os verde e brancos Vitória de Setúbal e Rio Ave, não sem antes verem bem o rosto maldito da II Liga. Clubes que sabem que para o ano há mais do mesmo se não mudarem drasticamente as suas políticas.

Numa prova sem grandes figuras individuais – o campeonato português vive uma sangria constante que, de ano para ano, faz com que perca postos no ranking das principais ligas europeias – o futebol português começa a habituar-se à necessidade que a imprensa tem de criar novos heróis. Só assim se explica o ênfase dado a nomes como Hulk, Cissokho ou Di Maria, elementos com destaque nas suas equipas habituais mas que mesmo assim estão uns furos abaixo da qualidade necessária para ser estrelas de renome como a nossa prova já produziu e acolheu. Pela regularidade, a prova foi essencialmente de um trio de azuis e brancos liderados pelo capitão Bruno Alves, sempre escudado por Fernando e Raul Meireles no meio-campo. Lisandro Lopez esteve muito apagado e Lucho foi sombra de si próprio nesta equipa com sotaque argentino. O Nacional teve direito às duas revelações do ano, o promissor central Maicon e o melhor marcador Nené, ambos “restos” do Cruzeiro. A prova revelou também jovens nacionais com grande futuro (Yazalde, Fábio Coentrão, Nuno Coelho, Rúben Micael, Daniel Carriço) e reencontrou em Liedson, o suspeito do costume. Decepcionantes acabaram por ser as sonantes contratações do SL Benfica (o argentino Aimar e o espanhol Reyes) e as jovens promessas leoninas (Moutinho, Veloso, Djaló). Pouca coisa para os grandes da segunda Circular que já vivem o seu particular Verão quente para atacar o orgulho Dragão que caminha a passo largo para lograr o histórico segundo penta.


MIGUEL LOURENÇO PEREIRA (jornalista e blogger do em jogo)


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