terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Jorge Coroado, o árbitro e comentador - Parte I

Foi um dos mais famosos árbitros portugueses e está longe de ser um nome consensual entre os adeptos de futebol: uns gostam, outros odeiam. Mas ninguém lhe fica indiferente. Actualmente é comentador de arbitragem. Segue as suas convicções e critica quem tem de criticar. Já sabem quem é? Jorge Coroado, claro. No FUTEBOLÊS, sem apitos ou cartões mas sempre em parada & resposta.

"NUNCA TIVE RECEIO DE TOMAR DECISÕES"

FUTEBOLÊS: O Jorge Coroado foi um dos mais conceituados árbitros portugueses. Como entrou na arbitragem?
JORGE COROADO:
Praticava atletismo no Belenenses, clube do qual sou sócio e, no presente, vice-presidente da Mesa da Assembleia-Geral. Porque não detinha marcas relevantes (era concursista - peso e martelo) e sempre que no Estádio do Restelo assistia a um jogo ouvia as contestações aos árbitros, algo repetido na segunda-feira no estabelecimento de barbearia que existia no prédio onde habitava, ao ler no jornal A Bola estar aberto curso de candidatos a árbitros da AF Lisboa, para melhor poder discutir (sempre gostei falar das coisas com conhecimento de causa), inscrevi-me.

F: Quais foram os momentos mais marcantes da carreira? Aquele célebre lance em que expulsou Caniggia num Benfica-Sporting ficou para a história...
JC: É verdade! A nível interno o lance que envolveu o Caniggia foi marcante como, para quem como eu esteve por dentro do processo, foi exemplificativo do modo como funciona o futebol e a sociedade portuguesa em geral. Foi, também, marcante a frase por mim expressa após um Chaves-Sporting: "Estou com uma grande azia", expressão que utilizei para demonstrar a minha insatisfação pelo desempenho na noite anterior e por verificar a parcialidade da generalidade da comunicação social que apenas referia dois ou três lances desfavoráveis ao Sporting e nenhum, apesar de ter acontecido, em prejuízo do Chaves.

F: Ficou desiludido por não estar presente em nenhum Mundial nem Europeu?
JC: Por incrível que pareça, ou por menos séria que resposta possa ser entendida, apenas alimentei esperanças em estar presente no Mundial de 1994. Como isso não sucedeu e os contornos da situação foram por mim percebidos e entendidos, de imediato regressei ao meu sincero e sentido desejo: terminar como terminei, no Estádio Nacional arbitrando a final da Taça de Portugal.

F: A arbitragem está também em foco devido a tentativas de influenciar resultados. O Apito Dourado surpreendeu-o?
JC: O processo Apito Dourado não me surpreendeu, surpreendeu-me sim, a metodologia utilizada.

F: Nos seus tempos de árbitro, nunca foi pressionado para beneficiar determinada equipa?
JC: Objectivamente só uma vez tal aconteceu e, curiosamente, em divisão distrital. A nível nacional, enquanto árbitro de segunda categoria, quando pela primeira vez me dirigi ao Norte para arbitrar um Valonguense-Lixa (Páscoa de 1985) a minha mãe, na casa da qual habitava recebeu um telefonema questionando-a se seria eu o árbitro. Nada mais se passou em vinte e cinco anos de carreira

F: Alguma vez teve receio de tomar decisões?
JC: Sinceramente... não!!

F. Diz-se que os árbitros têm sempre tendência a beneficiar os grandes, nomeadamente, quando jogam em casa. Enquanto árbitro sentiu isso?
JC: Responder a esta pergunta fazendo juízo sobre mim próprio é algo ingrato, porém, sempre posso dizer que entre a classe, de forma surda e não declarada, era tido como o "Robin dos Bosques" por não dar importância aos grandes. Sobre o que outros fazem basta estarmos atentos ao que semanalmente acontece, à atitude que os árbitros evidenciam perante jogadores dos três principais emblemas. Recentemente, no jogo do Belenenses com o Sporting, um jogador do Belenenses ficou no solo a contorcer-se com dores, o árbitro que fez? Interrompeu e mandou entrar a equipa médica. Posteriormente um do Sporting demonstrou queixas semelhantes, que fez o árbitro? Colocou-lhe a mão na cabeça, falou tranquilamente com ele, deu-lhe a mão para o ajudar a levantar.

F. Algum caso concreto?
JC: No meu tempo, um belo dia, um árbitro de então que tinha sido promovido pouco tempo antes a internacional, foi ao estádio das Antas arbitrar um FC Porto-Benfica. Aos 20 minutos da primeira parte, João Pinto, capitão do FC Porto, deu uma arrochada num adversário que justificava cartão vermelho. O tal árbitro limitou-se a assinalar a falta e nada mais. Na semana seguinte, no hotel onde ficávamos quando dirigíamos jogos na zona norte, encontrei-o e questionei-o porque não havia exibido cartão vermelho. Respondeu-me: "Tás maluco? No Estádio das Antas, aos 20', mostrar cartão encarnado ao capitão da casa?".

F: E tendo o Jorge como protagonista?
JC:
Recordo uma outra situação por mim vivida: quando terminei a minha carreira, a convite do Conselho de Arbitragem da FPF, durante algum tempo acompanhei as equipas de arbitragem estrangeiras que vinham a Portugal arbitrar jogos das competições internacionais. Um dia, Rui Jorge, antigo defesa esquerdo da Selecção Nacional disse-me: "Você era f..., não dava abébias mas nós sabíamos com quem contávamos pois era-lhe indiferente sermos do FC Porto, do Sporting ou de outro qualquer"; aliás, posso contar um outro episódio constante do meu livro como o anteriormente referido, uma vez em Braga, em jogo para a Supertaça, no último minuto assinalei grande penalidade contra o FC Porto. Na cabina, depois de terminada a partida, o presidente da equipa da Invicta disse-me: "Só você seria capaz de assinalar uma grande penalidade contra o FCP no último minuto mas também o faria contra qualquer outro clube!".

(CONTINUA)

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